sábado, 21 de janeiro de 2012

Desorganização Interna

Nesta semana deixei o meu netbook na praia, para dois filhos aborrecentes usarem. Obviamente que a máquina voltou com um pau na tela, que eu vou levar para consertar. Isso atrapalha a vida desse blog, pois é uma delícia escrever os posts deitado na cama ou imediatamente após ler um livro ou um artigo bacana. Vou usar, lógico, o computador dos caras, que vão ficar me olhando teclar.
Um tema que eu gostaria de desenvolver mas acabo falando de outros assuntos é s Organização Interna. Estamos numa época em que tudo te convida para a exteriorização, inclusive com blogs, twitters, facebooks, tudo é buscado em um espaço psíquico fora de seu nundo interno. Um sintoma que foi aparecendo cada vez mais nessas últimas décadas de Psiquiatria é essa sensação básica de aceleração e correria, com uma dificuldade cada vez maior das pessoas estabelecerem prioridades e planos. Uma música antiga dos Titãs, dessas anteriores à recente fase brega e de autoajuda, dizia assim " Uma coisa de cada vez/ Tudo ao mesmo tempo agora/ Uma coisa de cada vez/ Tudo ao mesmo tempo agora" e assim prosseguia, sempre tendendo ao "Tudo ao mesmo tempo agora", que aliás, batizava o CD. A música descrevia muito bem esse estado em que vivemos, atendendo ao celular, com o Messenger aberto, o Facebook apitando e o Skype chamando, tudo ao mesmo tempo agora. Tudo concorrendo para piorar a comuniação das pessoas.
Isso aparece nos sonhos e nos quadros clínicos das pessoas. Mudanças abruptas de assunto, perseguições, ameaças invisíveis, explosões e a sensação do Ego Onírico, aquela representação de nós mesmos que aparece no sonho, sempre correndo, sempre oprimido, sempre tentando resolver tudo ao mesmo tempo e pulando de assunto em assunto sem concluir nada.
A Psiquiatria segue esses tempos acelerados com doses cada vez mais elevadas de medicação. Ontem saiu uma matéria dando conta das vendas recordes de medicamentos tranquilizantes da classe dos benzodiazepíncos, os famosos tarja preta. Rivotril, Frontal, Lexotan, todos tiveram as suas vendas nas alturas nesse últimos anos, tanto que alguns desaparecem das prateleiras em alguns períodos, provavelmente pelo fim de seus estoques. O tudo ao mesmo tempo agora tem as suas consequências.
Uma das coisas que gera a desorganização interna é o Conflito, tema que eu abordei no último post. A dúvida, o medo, a tentativa de resolver muitos assuntos ao mesmo tempo. O conflito amoroso, por exemplo. Amanhã vou falar do Vampiro, figura arquetípica que tem tirado o sonho de muitas pacientes. O Vampiro é um relacionamento perfeito para bagunçar completamente a vida de uma mulher, com a sua ambiguidade de morto vivo. Mas isso é assunto para amanhã.
O que posso concluir no post de hoje é que a alternativa para o mundo exterior cada vez mais caótico e escravizante é a defesa intransigente de nosso mundo interno. Com os anos fui trabalhando uma estratégia de distanciamento e de olho do furacão para as situações clínicas mais difíceis. Uma filha de uma paciente idosa liga aflitíssima, pois a sua mãe apresentava um quadro de confusão mental e desorganização da fala que bem poderia ser um Acidente Vascular Cerebral ou um quadro ansioso grave. A decisão sobre o que fazer pode fazer diferença entre a vida e a morte, contando apenas com as descrição de uma filha apavorada de ver a mãe naquele estado. Nessa hora é que o médico, ou qualquer tomador de decisão, precisa recuar até um ponto distante da situação, onde as coisas ficam até mais lentas e tranquilas, para olhar com muita calma todos os achados. Cada pergunta tem que estar encaixada nessa montagem lúcida do quadro, mesmo no telefone, para tomada da melhor decisão. O final foi feliz, a paciente melhorou. As pessoas imaginam que migrar para esse ponto de serenidade e de organização de pensamento seja coisa de pessoas iluminadas e especiais, mas não. É só treino. O mundo nos treina para a bagunça, você pode se treinar para a serenidade e para a Organização.
Organização Interna é um nome muito legal, pois já aponta onde é o lugar que realmente conta, na hora de encontrar o ponto de equilíbrio. O seu abandonado, mas importantíssimo, Mundo Interno.

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