domingo, 30 de março de 2014

Criação de Consciência

No último Congresso Brasileiro de Psiquiatria me cerquei da melhor das boas vontades e fui fazer um curso. O presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria não era um sujeito muito brilhante, o que resultou em campanhas publicitárias bobocas (Exemplo: “Craque que é craque não usa Crack”. Ai meu Deus. Não dá nem para comentar) e acabou fazendo um congresso nivelado por baixo, como se todos fossem um pouco retardados. Gosto de tentar garimpar coisas boas o tempo todo, mas haja otimismo. Lá fui eu para o curso de Genômica e Psiquiatria. Essa é a próxima fronteira. Estamos chegando perto de compreender como atuar nas doenças através da ativação ou da desativação de determinados genes. Qual será o tipo de resposta a determinados medicamentos a partir do perfil genético da pessoa que será tratada. O assunto deveria atrair mais atenção, mas a sala não estava muito cheia. Lá pelas tantas, o antigo psicoterapeuta convertido à Neurociência descreve um diálogo com o homem que era o papa da farmacogenômica. Ele tinha ido com uma comitiva de pioneiros desbravar essa nova fronteira, há alguns anos. O homem prometeu explicar como a psicoterapia afeta a expressão de nossos genes. Vai o curso, vem os slides, e nada do homem dizer como que a psicoterapia modifica a expressão gênica. No intervalo, já impaciente, foi ter com o homem e perguntar, de que jeito afinal a psicoterapia pode modificar nossa expressão genética? Pelo aprendizado, meu caro Watson. Eureka! Como eu não tinha pensado nisso...
Conversei na semana passada com uma cliente que foi embora de São Paulo e descobriu que o que eu falava, com pouca modéstia, é verdade: não dá para se achar com muita facilidade psiquiatra que faça psicoterapia. Os poucos espécimes preservados estão para ser tombados pelo Ibama. Portanto, ela teve que achar uma psiquiatra para seguir com a medicação e uma terapeuta para dar sequência ao trabalho. A psiquiatra ela já achou, na terceira tentativa, mas a psicoterapeuta está um pouco difícil. Demos risada com as candidatas que já foram rejeitadas. Uma delas disse que praticava uma psicoterapia nova, baseada na Neuroplasticidade. Acabei dentro de uma gargalhada, que eu sou junguiano e não preciso fazer cara de psicanalista. Como, cara pálida? Psicoterapia baseada em Neuroplasticidade? Essa é uma incrível novidade! A grande questão é: qual psicoterapia não se baseia em Neuroplasticidade?
Para os leitores desse blog que já estão tentados a fechar essa página, calma que eu explico. Há alguns anos foi feita uma pesquisa nos Estados Unidos em que se aplicou uma entrevista padronizada a cerca de seiscentas pessoas que passaram por diversos tratamentos psicoterápicos e um número semelhante de pessoas que achavam que Freud ou Jung eram marcas de sabão em pó alemão, como grupo controle. O grupo submetido à psicoterapia relatava um índice maior de bem estar e autoestima, além de referirem maior conforto com a sua vida e entendimento das coisas. Não é difícil criticar o resultado, pois obviamente as pessoas que buscam psicoterapia tem normalmente um melhor nível cultural e econômico, além de uma disposição maior a refletir sobre a própria vida. O engraçado é que esta pesquisa derruba um pouco o senso comum de que fazer psicoterapia é coisa de “quem precisa”, por ser muito neurótico. Os índices de neuroticismo maiores ficaram com o grupo que foge da terapia ou indica para todo mundo e não faz.
Trabalhar sobre si mesmo, receber a escuta de alguém que está disposto a ajudar na sua reflexão, produz mais consciência. Não é só um processo de aprendizagem. É um processo de aprendizagem, “também”. O que muda a expressão de nossos genes não é só aprender como controlar a raiva, ou levantar a autoestima. O próprio ato da reflexão, nessa época irrefletida, já modifica, para melhor, as redes neurais e a capacidade de se lidar com as questões importantes e desimportantes da vida. Isso modifica também, as relações entre os neurônios e a Neuroplasticidade. Tudo o que modifica a relação entre pensamento e emoções muda também os neurônios e os genes. Por isso que a resposta do gringo e a afirmativa da jovem terapeuta soaram tão óbvias.
O que é bom lembrar é que o processo psicoterápico envolve muito mais do que Aprendizagem e Neuroplasticidade.

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