domingo, 23 de agosto de 2015

Atenção Relaxada

Uma das coisas que me ficam do modelo inspirado no Mito de Édipo e que está descrito no último post: ter uma ferida não revelada ou mal trabalhada cria um sistema de disfuncionamento e de baixa energia em nossa Psique. Édipo tenta compensar a dor de seus pés inchados e seus tendões cortados através de um destino heróico. Não adianta estar no topo do mundo com a sua ferida cheirando mal. Não adianta ter o mundo e perder a sua alma, falou Jesus. Conquistar a própria ferida é tornar o que era disfuncional em funcional. Não precisamos da fragilidade para ganhar proteção ou piedade, precisamos de nossa fragilidade para deixar de fugir, deixar de tentar aparentar o que não somos, ou o que não temos. Quando o Reino de Tebas passa por uma seca catastrófica, o Rei Édipo vai ao grande vidente e pergunta quem está trazendo aquela desgraça e o que seria preciso fazer para trazer de volta o equilíbrio ao Reino? Tirésias aponta para rei e revela que ele havia matado o seu pai e desposado sua mãe. Enquanto nossa Psique tem um segredo não revelado, uma ferida escondida e mal curada, a energia que deveria estar disponível está sempre falha e, como tal, não circula. Esse é um dos objetivos dos tratamentos, limpar as sujeiras, separar o joio do trigo, restabelecer os canais de comunicação, internos e externos, para encontrar alguma felicidade e reparação.
A nossa mente, como os supercondutores, funciona melhor em menores temperaturas. Isso não significa que devemos colocar a cabeça no freezer, mas antes achar um estado de atenção relaxada para fazer as coisas acontecerem. O medo ou a alta atividade emocional atrapalha o processamento de informação. Já são alguns milênios em que os meditadores tentam educar a mente para o estado de não-mente, isso é, um estado onde os infinitos mi mi mis, ou os bla bla blás internos são finalmente silenciados. Criando uma espécie de consciência observadora, os monges observam os próprios saltos dos macacos do Pensamento para finalmente apaziguá-los. Entrar num estado de Atenção Relaxada é um treino diário e vital. Aprender a apaziguar os pensamentos, para entrar em contato com outros estados de Consciência.
O Rei Édipo não tem paz consigo mesmo. Não conquistou os seus medos. Não encontrou a sua Visão Interior. Na parte do mito em que ele, ao saber que desposara a própria mãe e com ela criou uma família, arranca os próprios olhos. Não há perdão para a própria Inconsciência. Parece um castigo autoimposto, mas bem que pode significar uma libertação. Lembro de um paciente que sobreviveu a um Câncer intratável e falou das maravilhas (e terrores) de passar por uma experiência que lhe jogou a própria vulnerabilidade na cara. Quando antes ele se sentia imortal, era irritável, meio paranóico com seus funcionários e esposa e, acima de tudo, vivia às turras com seu pai, a quem secretamente atribuía a culpa pela morte de sua mãe. Depois de morrer e renascer, passou a ter uma estranha noção da passagem do tempo e do mal resultado de seus ódios mal elaborados. Tudo isso havia “queimado a fiação”, segundo ele, gerando um Tumor agressivo que, ele sabia, ainda estava por lá, após três cirurgias. Cada dia passava a contar, mas, antes de tudo, contava o seu coração mais leve. Ele trocou de olhos, ou, melhor ainda, de olhar.
Uma desgraça para o destino humano não é a Ferida que nos forma, mas o medo que se forma em torno dela. A sensação de Insegurança cria seus filhotes, que é a busca de falsas fontes de Segurança. Essa é uma parte importante da tragédia de Édipo e de todos nós: quanto mais ele foge de seu Medo, maior ele fica, até se deparar com o maior de todos, que é ser o causador da desgraça de todos. Gosto de imaginá-lo, sereno e sem preocupações como um andarilho sábio, coxeando pelos vilarejos, após perder tudo o que um homem preza: dinheiro, poder, posição, influência. Provavelmente, o Édipo curado vive num estado de Atenção Plena e Relaxada, em fluxo com o caminho e com a vida.
O antepenúltimo post deste blog falou sobre três grandes ciclos arquetípicos: o Parental, o Heróico e a Individuação. Individuação é o estado em que o velho e medroso Ego perde a sua força e a Psique se expande na direção do Infinito. Disse Jesus que muitos são chamados, poucos escolhidos, porque não é fácil deixar o velho medo para trás. Não é fácil tirar a Insegurança quanto ao futuro de centro de nossa existência.

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