domingo, 9 de agosto de 2015

Inimigo Invisível

Uma das características da Doença do Pânico, em sua própria definição, é da ocorrência de uma crise de ansiedade repentina e devastadora, sem um desencadeante específico. Segundo essa definição, é como um vulcão interno que entra em erupção sem motivo e sem ter como prevenir esse fenômeno. Essa é uma das características que transformam os portadores dessa doença em reféns do medo: se a crise pode ocorrer a qualquer momento, é como viver sentado num barril de pólvora o tempo todo.
Estava numa livraria ontem e folheava um livro em que o autor denunciava a máfia da Psiquiatria e a sua capacidade de transformar os pacientes com o diagnóstico de Transtorno de Pânico em doentes crônicos, sempre dependentes de vários medicamentos e mantendo, ainda, crises que se repetem, repetem diante das doses cavalares de medicação, que vão sendo aumentadas indefinidamente. Achei a visão um tanto soturna e comprei um livro que talvez falasse do mesmo assunto, que é a Neuroplasticidade. Concordo com o autor que ficar aumentando a dose da medicação sem trabalhar com o paciente as origens e a manifestação do Medo, criando mecanismos de enfrentamento e controle dos sintomas, simplesmente não funciona.
Lembro de um caso que me chegou depois de tratamentos anteriores fracassados em que, apesar da dose da medicação estar adequada e até um pouco mais alta do que eu costumo prescrever, as crises continuavam indo e voltando, ante o olhar assustado do médico e de seus familiares. A conduta tradicional seria aumentar a dose. Acontece que essa definição de crises que vem do nada é muito bonita nos livros e nos manuais diagnósticos, mas não ajuda nos tratamentos. Por que aquele caso, que parecia ter tudo para melhorar, estava evoluindo tão mal? A paciente continuava cutucando as áreas do medo com uma sensação permanente de insegurança sobre o seu futuro. Tio Sigmund, sempre achincalhado nos seminários de Neurociência, descobriu há mais de um século que a existência de um conflito, rodando debaixo da camada percebida pela nossa Consciência, gera sintomas. Esses sintomas não são Imaginários nem vontade de chamar a atenção, como muita gente acredita, mas a tentativa de trazer o conflito para cima e, de preferência, elaborá-lo. A paciente em si estava perfeitamente acovardada por aquelas fases da vida em que nada parece dar certo: relacionamento terminando, transição de carreira, brigas na família, tudo isso bombardeando as áreas do Cérebro que processam o medo, gerando crises que surgiam no meio de pensamentos em turbilhão, preocupações indo e vindo e um bullying muito comum e cruel, que é o auto-bulliyng. Tudo isso criava as condições para a crise de Pânico perfeita, gerando assim novos ciclos de medo e de sensação de que aquilo nunca teria fim.
A estratégia foi trazer à tona os achacadores internos para depois enfrentar os externos, como chefe abusivo, namorado surtado e mãe chantagista, que foram perdendo sua força e as crises junto. De certa forma, pintar o Pânico como um inimigo traiçoeiro, que pode atacar do nada sem mais nem porque deixa os pacientes sempre aterrorizados e agarrados aos remédios. Trazer os medos à luz, explicar os mecanismos das crises e como lidar com elas tem o efeito de trazer o monstro para fora, onde ele não parece tão implacável, nem invencível.
Modular o medo, reduzir os conflitos e as preocupações circulares sem dúvida ajudam a diminuir as crises e ampliar o repertório de estratégias e manobras de lidar com elas. Isso é o contrário do acovardamento que cronifica a doença e gera livros que denunciam os psiquiatras e sua tentativa de escravizar os pacientes. O tratamento deve visar o "enpowerment", que em portuenglish é traduzido por empoderar a pessoa que sofre as crises, para devolver a ela a sensação de estar no comando. Eu concordo que essa não é sempre a posição que alguns pesquisadores tem em relação à doença.
Colocar a crise de Pânico como um fantasma imprevisível e que vai sempre voltar, pode transformar o paciente em uma pessoa fragilizada e escondida atrás dos remédios. Isso deve ser modificado.Mas justiça seja feita que não é todo mundo que está afim de peitar a doença. Em alguns casos, felizmente raros, a pessoa se esconde atrás dos sintomas e vira uma paniquenta profissional, pode-se assim dizer. Essas não se adaptam muito a esse que escreve esse texto. E a culpa vai para a conta do médico e de seus remédios, como sempre.

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