domingo, 2 de agosto de 2015

De Cima Para Baixo, De Baixo Para Cima

A descrição clássica da Reação do Estresse é o “Fight or Flight” um trocadilho que quer dizer uma reação de Luta ou Fuga quando diante de uma situação de ameaça. Ela se aplica muito mal a uma crise de Pânico. Nunca vi ninguém, durante e depois de uma crise de Pânico, afim de encarar uma briga. Nem ter vontade de fugir, para algum lugar, do inimigo invisível.Quem passa por isso quer correr, sim, para um lugar protegido, de preferência um hospital. A crise de Pânico parece mais um botão que a Mãe Natureza projetou para ser apertado num Enfarte do Miocárdio. Pode estar vindo uma betoneira na descida que o sujeito não se mexe quando sente a dor de um evento cardiovascular. Sudorese, taquicardia, dor em queimação no ombro e estômago, tremores em todo corpo e extremidades, ar que parece não querer entrar. Pior de tudo, a sensação de congelamento, de não ter como se mexer do lugar, como um peso de toneladas no peito. De fato, uma Crise de Pânico parece em tudo com um Enfarte. E é difícil convencer o paciente que aquilo é apenas um botão errado que o Cérebro apertou.
Gosto muito da Teoria da Neuroprogressão, do grupo de FLávio Kapczinski, lá do Rio Grande do Sul, que se aplica à Doença Bipolar, segundo esse grupo. Cada episódio da doença cria uma espécie de reorganização das redes neurais, criando um Cérebro diferente. Cada crise cria essa progressão, e quanto mais crises, pior. O mesmo se aplica à Doença do Pânico: quanto mais crises, mais o Cérebro vai se organizando em torno do risco de se ter outro evento. É como se o mundo deixasse de ser seguro e cada situação pudesse trazer uma crise de Pânico. Cria-se uma nova e amedrontada identidade, em que a pessoa passa a entender o mundo exterior como perigoso e a si mesma como muito frágil e acovardada. Esse é o maior estrago que a doença produz: uma Neuroprogressão no sentido de viver cercado por uma gaiola invisível: quanto mais crises, mais estreita fica a gaiola. E mais sem saída parece a situação. É muito importante devolver ao paciente a sensação de algum controle sobre as crises, e para isso a medicação é muito útil. Literalmente, um santo remédio.
Recebi um dia um jovem médico, que, óbvio, não ficou feliz com a hipótese de estar passando por crises de Pânico. E se for uma Arritmia Cardíaca? Como você pode ter certeza?- Ele me questionou. Não sei se há certeza em Psiquiatria, ou mesmo na Medicina. Uma arritmia pode causar taquicardia, medo e desconforto respiratório, bem como uma crise de Pânico. Como diferenciar uma coisa da outra?
Nossa consciência corporal se organiza nos dois sentidos: Top-Down e Bottom-Up, isto é, de Cima para Baixo, de Baixo para Cima. Nossa Consciência, na hipótese de Antonio Damásio, se organiza a partir das sensações corporais, nas percepções do próprio corpo que organiza uma sensação de Eu. O Penso Logo Existo de Descartes vira um Sinto Logo Existo dessa teoria. A sensação de existir, de ser o Fulano e Sicrano vai se organizando com uma coleção de Memórias e Percepções de Si e do Mundo. É justamente isso que passa a ser perturbado pelas crises de Pãnico. O Eu deixa de ser Eu e o Mundo deixa de ser o Mundo. Tudo fica estranho, novo, ameaçador. A Arritmia Cardíaca é um desconforto Bottom-Up (de baixo para cima). O Pânico é Top-Down (de cima para baixo). A Arritmia causa uma sensação de desconforto que é interpretada pelo Córtex: um aperto, uma tontura, um desconforto. A crise de Pânico, pelo contrário, primeiro dispara o alarme, o corpo se inunda de Adrenalina, a taquicardia vem depois. O jovem colega aprendeu a entender a crise e a lidar com ela. Isso fez toda a diferença.
Qualquer sensação corporal estranha pode apertar o botão do alarme: uma tosse, uma alergia, uma dor de barriga. O botão pode ser apertado de baixo para cima. mas manda a crise de cima para baixo.
Entender isso ajuda muito a orientar os pacientes e as pessoas que sofrem desta Doença. A sensação que dá para lidar com ela, então, é o começo da cura.

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