sábado, 22 de agosto de 2015

Ninguém Sofre nas Redes Sociais

Édipo quer dizer “Pés Inchados”, ou “O Coxo”. A sua história e a sua ferida começam quando seu pai, Laio, foi ao Oráculo de Apolo perguntar como seria o destino de seu primeiro filho. A previsão foi a mais terrível que se pudesse esperar: aquele menino estava destinado a desposar a própria mãe e matar o seu pai. Laio pegou a criança e a entregou a seus criados para morrer, no monte Cinterão. O escravo não teve coragem de matar a criança. Perfurou os seus pés e deixou-o pendurado numa árvore, para ser morta pelas feras. Pensando bem, talvez tivesse sido melhor matar a criança. Deixado à própria sorte, Édipo foi salvo por um pastor que ouviu o seu choro e tomou-o como filho. A marca dessa Ferida nunca se apagou de seus pés. Nem da sua alma.
Édipo é um herói moderno. A sua força não está na beleza nem nas glórias da batalha. Édipo vence a Esfinge com duas armas novas para os heróis: Inteligência e Astúcia. As suas armas não serão as dos X-Men nem dos Vingadores. Decifrando o Enigma da Esfinge, ele liberta Tebas e desposa a sua Rainha, Jocasta, que mais adiante ele descobrirá que assim cumpria a profecia terrível. Freud fixou-se bastante nessa parte do Mito que descreve a atração pela Mãe e a rivalidade voltada ao Pai. Eu prefiro olhar o mito por outro ângulo. Édipo descreve uma tendência muito enraizada em nossa Cultura, que já falei em outros posts, é mais helênica do que imaginamos. Como eu poderia resumir essa atitude? Fácil: ninguém aparece feio no Facebook. Todos estão lindos e com fotos desatualizadas em anos e quilos. Cultivamos beleza, simetria e perfeição. Nada de feiúra, nem de fraqueza. Ainda assim, somos descendentes dos pés inchados e tortos de Édipo. O que isso quer dizer?
Na prática clínica vemos histórias de heroísmo, de pais e mães que abraçam o sofrimento dos filhos. Doenças degenerativas, paralisias, sofrimentos que nem conseguimos imaginar. Fico pensando que esses pais fogem do erro de Laio e Jocasta. Laio ouviu que aquela criança mataria seu pai para desposar a mãe. Para fugir do próprio destino, sacrifica o seu filho e, sem saber, a própria vida. Essa é uma lei psicológica profunda do Mito: quem tenta fugir do sofrimento acaba por atraí-lo. A fragilidade humana sempre vai existir, não importam as tentativas de retificá-la. Podemos promover abortos terapêuticos quando os exames apontarem defeitos genéticos ou tentar manipular os genomas para eliminar as doenças, mas essa é exatamente o mecanismo da tragédia do Rei Édipo. O jovem machucado tenta fugir da própria Ferida através da Lógica, da Técnica, da tentativa de dominar a própria dor pela força da Razão. Isso parece mais fácil do que integrar a própria fragilidade no Todo da Psique.
Lacan dizia que o “Sintoma é Aquilo que o Sujeito tem de Mais Real”. O sintoma nos conecta com as coisas que gostamos de esconder nas redes sociais: a Fragilidade e a Dor. Isso não gera muitas curtidas...
Édipo termina a sua vida disputado por todas as cidades vizinhas. Outra profecia dizia que onde ele morresse seria um território sagrado? Não seria outro paradoxo? O portador da desgraça, a família que atravessou três gerações de tragédias (como os Kennedys), e ainda assim ele passa a ser um homem sagrado. Como outros grandes heróis, Édipo não vai passar pela morte física, e ele é engolido pela terra. Ele é o homem que conquistou a própria ferida, em vez de fugir a vida toda da própria fragilidade. A Razão vira Sabedoria e a Força deriva de sua fraqueza... E aí? Vai encarar?

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