domingo, 16 de agosto de 2015

Ciclos Arquetípicos


Já mencionei essa pequena história em outro post. Depois de 500 textos, é difícil não repetir ideias ou histórias. Junguianos comparam o desenvolvimento psíquico a uma escada em espiral, onde passamos infinitamente pelas mesmas questões, mas em níveis diferentes. Vamos imaginar que retomamos esta história alguns degraus acima.
Um artista plástico ensina sua aprendiz. Explica que um artista tem três grandes fases em sua vida: na primeira fase ele desenha, pinta, molda a sua arte para mostrar à sua família. Mostra para a sua mãe, sua babá, seus avós e depois de alguns anos para a professora, para as exposições da escola onde todos fingem examinar aqueles borrões em busca de algum indício de futuro. Na segunda fase, o artista mostra seu trabalho para os seus pares: entra em escolas de arte, encontra as suas referências, deixa o seu bairro, a sua cidade, o seu país e vai se filiando a uma imensa família de artistas, em que seu trabalho vai se inserir, ou não. Nesta fase, o artista quer mostrar a sua criação para todos, quer ser amado, admirado e, sobretudo, captar a atenção das pessoas. Talvez o artigo mais raro que dispomos na Era Digital seja a atenção das pessoas. Tudo e todos se dissipam numa fração de segundos, sem deixar muito rastro. As pessoas se queixam de falta de Memória, mas o que lhes falta é a Atenção.
O artista termina o seu ensinamento chegando à terceira fase, a maturidade da sua arte. Ele já mostrou sua produção aos pais, aos parentes, aos professores, aos seus pares e ao mundo. Recebeu, ou não, sua Atenção. Na última fase, ele não precisa mais desse olhar. Ele passa a ser visto pela sua Obra. Esse é o olhar que interessa. O artista se vê refletido em sua Obra e passa a ser visto por ela.
Acho essa história encantadora porque ela resume três grandes ciclos da vida de um ser humano. Talvez os mais importantes ciclos arquetípicos: o Ciclo Parental, o Ciclo Heróico, o Ciclo da Individuação. Jung dedicou sua vida a intuí-los e descrevê-los, sem essa sistematização, que deixou para nós, seus sucessores.
O Ciclo Parental é o mais explorado pela Psicologia. A primeira formação de identidade vai se formar, bem ou mal, nessa fase. A sensação de ser alguém, de ter um valor intrínseco, de ter um lugar na vida, vai ser formada nessa fase em que a criança mostra seus garranchos e espera por Atenção e Aprovação. A falta ou o excesso dessa Atenção e dessa Aprovação vai determinar muitas feridas psíquicas e um longo trabalho de cicatrização. Isso também vai permitir, ou impedir, a entrada no segundo Ciclo, que é o Heróico. Como o artista que vai procurar a sua tribo, a pessoa vai buscar seu lugar no seu grupo, inicialmente de amigos, depois de colegas e competidores. Vai ser a sua jornada dentro da sua profissão, na formação de sua família e construção de um legado. Muita gente tropeça, ou nem entra, nessa fase heróica. Muitos se perdem no caminho, como dizia a velha música.
A fase seguinte é a mais difícil de descrever, e entrar. O diálogo passa a ser com níveis mais profundos de Silêncio. O artista passa a se reconhecer, ou ser reconhecido, em seu mundo interno, independente da vaia ou do aplauso que vem de fora. O seu diálogo é com a eternidade, onde a sua obra vai ficar de alguma forma registrada. Ele precisa menos de atenção e aprovação que eram tão importantes nas outras fases. Na verdade, ele precisa de cada vez menos coisas do mundo exterior.
Essas fases descrevem a formação, a consolidação e a relativização do Ego como veículo de nossa consciência.
No recente filme “Lucy”, com Scarlett Johansson, uma moça comum e com péssimo gosto para homens se envolve com traficantes e acidentalmente se expõe a uma droga que vai progressivamente expandindo sua capacidade cognitiva. Ela primeiro domina toda a informação disponível, chega ao profundo entendimento da natureza do Tempo e da Vida para no final virar pura Consciência. Jung teria gostado bastante desse filme, eu imagino. O filme descreve, imagino também, a nossa jornada em atingir o máximo de Conhecimento para virarmos, no fim, Consciência. Essa é a tarefa da Individuação, nos três grandes ciclos da Vida.

2 comentários:

  1. O problema no nosso mundo é que muita gente está parado na primeira fase!
    bjos,
    Lucia Andrade

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