sábado, 10 de dezembro de 2011

Sócrates Brasileiro

Estava na cama do pequeno quarto do hotel em Manhattan quando a minha esposa me avisou da morte de Sócrates Brasileiro, grande ídolo do Corinthians e do futebol brasileiro, por complicações de uma Insuficiência Hepática, causada por uma Cirrose e Alcoolismo, nessa ordem. Não foi uma surpresa, embora achasse que o Magrão ainda tinha mais lenha, pouca, para queimar. Voltei para o Brasil no meio da semana e já engatei um ritmo de doze horas de consultório, o que me poupou dos longos e melosos obituários, todos falando do jogador mítico, elegante, luminoso, que encantava a todos com as suas passadas curtas e seus passes de calcanhar, desconcertantes. Imitei muito esses passes. Mas o que fez aquele jogador impressionante virar aquela figura inchada, pálida, com os olhos infinitamente tristes que víamos na TV nos últimos anos?
Sócrates, Garrincha, Jorge Mendonça, e, como esquecer, Maradona, não são poucos os jogadores que se consomem na bebida depois do fim dos holofotes. Fim da atenção especial, das manchetes, dos tapinhas nas costas? Tenho outra teoria. O atleta, o artista, a figura pública, desenvolve uma espécie de personalidade por trás da Persona. Os jogadores de futebol tem uma personalidade futebolística específica. O São Paulo tem um moleque muito bom de bola, o Marlos, que tem tudo para virar um pequeno Messi. Mas o garoto não deslancha, as pernas tremem, o chute sai torto na hora H, simplesmente porque Marlos não desenvolveu a sua personalidade futebolística. A diretoria do São Paulo pode mandar o garoto lá para o meu sofá que eu dou um jeito nele. Sócrates, ao contrário, era uma personalidade futebolística ímpar. Um Príncipe. Elegante, peito estufado, visão 360 graus, o braço levantado comemorando o gol de forma impassível. Nunca explodia, nunca dava pontapé, nunca saía gritando e babando na hora da vitória. Era frio, introspectivo, vivia dentro de uma bolha mental onde pensava o jogo como ninguém. Imagino Sócrates jogando hoje, nessa época de correrias, onde ninguém parece pensar, só correr. Sócrates, com esse nome, só podia mesmo pensar profundamente o jogo, a solução mais minimalista, o toque inesperado. Tenho a impressão que a sua personalidade futebolística o matou. Explico.
Pelé faz uma distinção entre Pelé, o Rei, e Edson, a anta. É bom mesmo. A personalidade futebolística de Edson Arantes do Nascimento foi a mais fulgurante de todas. Um monstro que parecia ter o triplo de seu metro e setenta e dois. Pelé era o cara. Edson, que vive às custas do que Pelé realizou, é um homem simples, pouco habilidoso com as palavras e com os homens fora das quatro linhas. Sócrates nunca se encontrou fora delas. Tentou a Medicina, tentou ser técnico, tentou muitos empreendimentos, parece que a única atividade que prosperou foi o papo de boteco. Teve um filme, “Boleiros” em que Sócrates fez o papel dele mesmo, sempre empunhando um copo de cerveja, contando e ouvindo “causos”. Parece que foi lá que o Magrão passou os anos de aposentadoria: tomando cerveja, beliscando salgadinhos e relembrando as cenas míticas do Príncipe. Por isso os seus olhos sempre pareciam tão tristes e cansados. Como eu já falei em outros posts, você dá conta da ferida, ou a ferida dá conta de você. Sócrates, o homem, cedeu à essa tristeza. Mas deixou o Príncipe em nossa lembrança, para sempre.

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