sábado, 11 de agosto de 2012

Ciclos Arquetípicos

O encontro analítico é cheio de momentos duros, dramáticos, dolorosos, como um lugar de emoções humanas concentradas. Há também lições, citações e "causos" que servem ao serem contados, tanto para o terapeuta como para o paciente.
Outro dia ouvi um desses "causos" ou citações mágicas. Essa vinha de um artista plástico cujo nome eu não sei, mas sei o seu apelido, que é Boi. Boi disse para a sua aluna que um artista tem três grandes fases em sua vida. Na primeira, ele é uma criança, faz as suas pinturas, os seus desenhos e quer mostrá-los para os adultos, sobretudo os seus pais. As pinturas nas paredes, nos quadros da escola, nas gavetas dos avós, são as primeiras exposições dos artistas. Quando ele vai crescendo, não é mais suficiente o reconhecimento da família e dos colegas. O artista precisa mostrar o seu trabalho para o mundo, conhecer os seus pares, receber influências. Ele leva o seu trabalho para o mundo e quer que o mundo perceba o que está expressando. O artista pode passar a vida inteira querendo ser visto e ouvido pela sua família e pelo mundo. Mas a fase realmente madura é quando é visto não mais pela sua família ou pelo mundo. O artista atinge a maturidade quando passa a ser visto pela sua obra. Os seus olhos estão refletidos pela sua obra. O que ele é, o que ele faz e tem se condensa no mesmo lugar e o enxerga.
Há então as três fases: a fase em que o artista é visto pela família, pelo mundo e por sua obra.
Nosso desenvolvimento psíquico também pode estar contido nessas fases. Os junguianos costumam chamá-las de Ciclos Arquetípicos. No primeiro Ciclo, temos o Ciclo Parental. A criança se revela e é revelada pelo olhar da família, da escola, do meio onde é criado e de onde recebe a primeira e por vezes definitiva impressão a respeito de quem é e o que veio fazer nesse mundo. Muito do que se faz nos consultórios tem a ver com esse ciclo parental. Acabei de responder um e-mail malcriado de uma mãe exasperada com o comportamento de seu filho. Como todo filho de uma mãe intrusiva, o rapaz faz tudo exatamente necessário para deixá-la desesperada e impotente. Ela vem para cima do terapeuta, que devolve o coice. Ela se preocupa com seu desenvolvimento da mesma forma que o mantém filhinho da mamãe. Não dá.
A função do ciclo parental é dar ao nosso bebê mamífero e descendente de paleoprimatas alimento, proteção e educação para esse indivíduo poder buscar o seu destino e sua identidade. É um percurso acidentado, cheio de incertezas e caminhos que, embora semelhantes, são muito diferentes. Cada um vai fazer esse percurso de forma individual e vai encontrar o próprio caminho para chegar à vida adulta. Mas tem muita, muita gente que vai ficar a vida toda mostrando os desenhos para a mamãe e vivendo da graninha do papai, não importa quantas horas gastas no divã ou nas salas de Coaching.
O segundo ciclo é o que toma a maior parte de nossa vida, se tudo der certo. Construir uma carreira, um lugar no mundo para si e para o seu genoma é a tarefa desse segundo ciclo, que é o Ciclo Heróico. Não é á toa que há uma mitologia enorme sobre heróis, super heróis, guerreiros que vão enfrentar a selva de concreto que chamamos de vida. É uma fase de construção e reconstrução, permanentes, de suas obras. Mostramos os desenhos em congressos, reuniões e planilhas com resultados bons ou ruins, fases de sucesso e de fracasso. Muita gente desiste no meio do caminho e tenta voltar para a fase anterior, quando tudo era certeza e proteção. Esses casos também são um porre, aqui entre nós.
O terceiro ciclo é o mais complexo, que é Fase da Maturidade. Os desenhos não são mais expostos nas paredes nem nas galerias. O artista se sabe artista e sabe que a sua obra é construída tanto interna quanto externamente. Ele é antes de sua obra, mas a sua obra olha para o seu coração.
Não é comum vermos nos consultórios as pessoas cheias de tempo e de dias, sem medo nem da morte nem da vida. É raro de se ver, mas é lá que tentamos chegar.

Um comentário:

  1. Oi Spinelli,

    Lindo o seu texto!
    Atingir esse terceiro ciclo é realmente muito difícil. Acho quase impossível; talvez somente para alguns poucos seres humanos.....
    As influências externas, o "bombardeio" diário de informações, de se mostrar externamente (no trabalho, amigos, família, facebook, tweeter, etc, etc) faz ficarmos isolados de nós mesmos. Esquecemos de nos ver. Somos cegos de nós mesmos. Não olhamos para dentro. Portanto a nossa "obra" é feita para ser mostrada (segunda fase).
    Mas acho que a tentativa diária de se procurar, de olhar para dentro já vale.....
    Atingir esta terceira fase é a luta diária...
    Bjos,
    Lúcia

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