domingo, 19 de agosto de 2012

Neuroplasticidade e Psicoterapias


Outro dia estava lendo os comentários desse blog e fiquei assustado com um Anônimo que comentou um post sobre livros de autoajuda, particularmente “O Segredo”. O cara (vamos assumir de forma sexista que aquele tipo de imbecilidade cabe melhor num homem) entrou nos comentários e espinafrou todo mundo. O autor, que era um babaca metido que estava atacando os livros de autoajuda. E uma das pessoas que comentaram o post também levou uns coices aleatórios. Confesso que fiquei mexido. Esse blog quase secreto teria caído na boca do povo e já começava a atrair malucos aleatórios da internet? O meu consultório começaria a receber trotes ameaçadores? E, para mim o pior, eu estava sendo atacado pela interpretação exatamente oposta ao que estava escrito: o post não atacava o livro (que eu não li, eu vi o filme), antes mostrava que ele tinha as suas aplicações práticas. Depois eu acabei entrando em outros blogs e outros comentários e pude observar que esse fenômeno das metralhadoras giratórias é bastante comum: os caras não entendem o que está escrito e já saem atacando o autor, a humanidade, os políticos, com várias e tresloucadas teorias da conspiração. Foi um alívio. Alguém tinha entrado aleatoriamente no blog e distribuído coices aleatórios. Feliz ou infelizmente, o visitante não apareceu mais.
Os livros desse tipo destacam o valor dos Sistemas de Crença como criadores invisíveis de nossa realidade. Posso citar uma pequena fábula edificante a respeito disso: “Havia em determinada cidade distante um barqueiro antigo e sábio, que ajudava silenciosamente as pessoas e famílias que iriam tentar a vida em um lugar inteiramente novo. Durante a travessia, vinha uma dessas pessoas em trânsito e perguntava ao barqueiro como era aquela cidade, como eram as pessoas de lá. O barqueiro, como um psicanalista, respondia a pergunta com outra pergunta: Como eram as pessoas da cidade que eles tinham deixado? Ah, eram ótimas pessoas, alegres, bondosas, tínhamos muitos amigos. O barqueiro coçava as barbas brancas e respondia que as pessoas dessa cidade eram exatamente iguais aos antigos amigos. Eles provavelmente seriam muito felizes por lá. Algum tempo depois, outra família o procurava com as mesma pergunta, que ele, mais uma vez, respondia da mesma forma: como eram as pessoas de sua cidade anterior? Eram pessoas falsas, negativas, fofoqueiras, que tratavam muito mal os forasteiros. O barqueiro balançava a cabeça e dizia que as pessoas dessa nova cidade eram exatamente iguais e que eles teriam dificuldades, com certeza".
Essa pequena história ilustra a importância do sistema de crenças das pessoas na apreciação da realidade. Além das crenças, podemos dar um destaque às expectativas, o que também ajuda a criar o que será a nossa realidade. Tem até um nome para isso, que é Profecia Autorrealizável.
Não há nenhuma forma de psicoterapia que não investigue e atente para esses sistemas de crença e de autoprofecias. Uma relação tensa com a mãe pode se reproduzir em hostilidades e incompatibilidades com as mulheres ou, em outro extremo, pode levar um sujeito a virar um assassino serial de prostitutas. Um pai espancador pode se reproduzir em maridos violentos ou indiferentes, ou na preferência pela relação com homens casados. As experiências antigas e mais profundas marcam a interpretação e a expectativa com que nos dirigimos à realidade.
Nas últimas décadas houve uma descoberta tão fundamental para a Neurociência como para as Psicoterapias, que foi a Neuroplasticidade. Dependendo dos estímulos, é possível manter, ampliar e, sobretudo, modificar as capacidades de seus neurônios de combinar entre si em novas redes neurais. Isso quer dizer que dá para ensinar truques novos para o cavalo velho, desde que o cavalo colabore e não seja muito escoiceador. Podemos e devemos identificar os padrões disfuncionais e modificá-los, mesmo que isso demore e consuma muitos lenços descartáveis e lágrimas.
Segundo esse novo conhecimento, o barqueiro poderia responder para a primeira família que continuem cultivando o hábito de serem cordiais e amigáveis com as pessoas, mas nunca confiar cegamente em sua bondade. À segunda família, ele pode sugerir que nessa nova vida eles devem trabalhar para mudar o seu padrão de medo e hostilidade com as pessoas, finalmente sendo mais objetivas em separar o joio do trigo e não prejulgarem uma cidade por meia dúzia de experiências negativas. Pode ser que o barqueiro seja arremessado para fora do barco, mas essa é a tarefa das psicoterapias, acreditar que os Sistemas de Crença podem ser alterados, para melhor.

Um comentário:

  1. Gostei muito deste conceito, que para mim é novo, de nós podermos ser criadores de nossa realidade (profecia autorrealizável). Talvez os milagres sejam mais responsabilidade dos fiéis do que dos Santos (pela fé intensa). A certeza que algo dará certo. Isto deve vir com uma postura diante do acontecimento que realmente pode mudar o rumo das coisas.
    Muito legal esta discussão!
    Bjos,
    Lúcia Andrade

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