sexta-feira, 31 de agosto de 2012

A Donzela Venenosa

Tem um programa na Rádio CBN em que cronistas fazem comentários sobre assuntos aleatórios. Um deles é o Carlos Heitor Cony, um toque entre divertido e rabugento dentre os outros dois comentaristas. A parte engraçada é que o Cony cita exemplos de casos da Marilyn Monroe ou Getúlio Vargas como se tivessem ocorrido na semana passada. O tempo vai passando e as referências culturais vão se mantendo. Uma vez eu citei uma música da Carmen Miranda para um paciente sexagenário e ele ficou extasiado com a minha cultura geral. Quando eu nasci a Carmen Miranda já tinha partido há muito tempo. Para dizer a verdade, a música citada tinha sido regravada por Caetano Veloso, num show maravilhoso: "Disseram que eu voltei americanizada/Com um burro de um dinheiro/Que estou muito rica...". O fato é que a citação acabou pegando bem e o tiozinho, saturado dessa Psiquiatria em que os médicos ficam horas preenchendo escalas de avaliação, adorou o toque nostálgico, como se tivesse baixado o Carlos Heitor Cony lá na sala.
Faço esse preâmbulo porque vou escrever esse post a pedido de um cliente que pediu para falar um pouco mais da "Prisão Sexual" que se encontrava. Após um divórcio doloroso, conheceu uma moça alguns anos mais nova e se apaixonou. Após um tempo de felicidade, os problemas apareceram, com mudanças de humor, chantagens e abusos da parte da moça que foram levando o relacionamento, apesar de todos os esforços, para um impasse. Infelizmente, então, o relacionamento terminou. Tem uma música belíssima de João Bosco (observem o meu efeito "Carlos Heitor Cony": estou falando de um CD de vinte anos atrás) em que ele descreve como esqueceu da mulher outrora amada, conseguiu superar a separação. Mas quem se lembra da amada dentro do poeta é a Memória da Pele. A metáfora é que a lembrança borbulha na sua cabeça, como o champanhe que tomaram na mesma taça. Bons tempos em que o poeta fazia uma música que fazia o cheiro da mulher amada atravessar nossas narinas, heim? Hoje é tudo cheio de "Ai se eu te pego" para cá e para lá. Os amores estão descritos de forma sempre literal, sem espaço para a Memória da Pele. Pois é essa incrição que faz o homem estremecer de dor de cotovelo quando vê a foto da amada no Facebook (que espia furtivamente) ou recebe uma mensagem diluída no mail list da ex.
Quando ele me pediu para escrever sobre isso, me veio uma referência ainda mais "Carlos Heitor Cony" ainda: uma música dos anos 80, de um obscuro cantor chamado Ritchie, que era "Menina Veneno". Ritchie se inspirou em um trecho de um livro de Carl Jung e seus colaboradores, "O Homem e seus Símbolos", onde era descrito um mito ou lenda, da "Donzela Venenosa", que atacava sexualmente os homens durante a noite, roubando também a sua alma. Ritchie traduziu o mito com os versos "Meia Noite no meu quarto/Ela vai subir/Ouço passos na escada/Vejo a porta abrir (...)/Cortinas de Seda/O seu corpo nú". Veja, uma música brega dos anos 80 parece alta poesia em tempos de "Eu quero tchú, eu quero tchá".
A "Donzela Venenosa" representa a força da Anima, o nome que Jung deu para a nossa Alma, muitas vezes projetada em mulheres merecedoras, ou não, dessa paixão. Como as sereias que arrastavam os marinheiros para a perdição, no fundo do mar. A Donzela Venenosa se aproveita de seu fascínio e sua habilidade, inclusive de envolvimento sexual do parceiro.
Nessa época em que as mulheres chamam para si todo o sofrimento do desencontro amoroso, o homem também sofre em sua pele e sua lembrança a ausência da mulher amada. Como o herói da Odisséia, Ulisses, para se afastar e resistir às sereias, pede para ser amarrado no mastro do navio para não ser arrastado para o canto fatal, o homem deve seguir para longe do amor que o envenena.
Não é um percurso fácil, ainda mais quando as sereias cantam nas redes sociais e nos torpedos.

3 comentários:

  1. Dr., desta vez não vou me identificar, mas eu sou o cliente/paciente que pediu este post.

    Surgiram muitas dúvidas, que vamos tentar esclarecer pessoalmente na próxima sessão, mas para enriquecer seu blog de ouro, vou perguntar abertamente:

    - A Donzela Venenosa usa essas armas conscientemente ?
    - Ela pode realmente ter algum sentimento pela “vítima” ?
    - Qual o antídoto ? Como apagar ou atenuar essa Memória da Pele, recuperando a minha alma ?
    - Devo ser amarrado no mastro ou ir morar na Lua, longe desse amor ?

    Grande abraço e obrigado.

    Eu

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  2. Adorei o tema e o que dele germinou. Homens se amarram ao mastro como Ulisses, para longe ficarem do amor feminino que envenena... na versão do feminino qual seria nossa ação para ficar longe do masculino que envenena? Apesar de ser fato incontestável que em nossa atual época parceiros que não envenenam nossas vidas são raros, mas quem sabe, talvez um dia,o encontro poderá acontecer para poucos que saibam esperar não é?
    Bom final de semana.
    Beijo

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  3. Bem, pessoal, vou tentar responder a essas questões no post de Domingo, 02/09. Aguardem

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