sábado, 1 de setembro de 2012

A Idade das Células

Uma vantagem de se acumular décadas de prática dentro da Medicina é poder acompanhar a vida de uma pessoa por vinte anos, como eu já tenho no meu portfólio. Uma dúvida que não quer calar no consultório é a muito comum: “Se eu tomar essa medicação por muito tempo, isso vai acabar causando lesões em meus neurônios?”. Tenho um caso de uma senhora que já atendo nessas décadas e já ouvi muito essa dúvida, sobretudo porque ela acompanhou, de forma muito dolorosa, a decadência intelectual e a morte de sua mãe em quadro de Alzheimer. A diminuição de sintomas depressivos e ansiosos e os exercícios físicos que, depois de 15 anos pedindo, ela finalmente introduziu em sua rotina, deixaram o seu Cérebro bastante saudável e muito longe de manifestar os sintomas demenciais que sua mãe, na sua idade, já apresentava de forma importante.
De uma vez por todas: o uso de medicamentos, de forma correta e não abusiva, é um fator de neuroproteção. Mas há outros cuidados a se tomar.
O processo de envelhecimento das células conta com alguns fatores, como o estresse oxidativo aumentado, metabolismo celular energético prejudicado, acúmulo anormal de proteínas e organelas danificadas. Já se pode falar hoje me dia em um envelhecimento normal e patológico. Podemos reforçar os processos normais e reduzir o envelhecimento patológico diminuindo os estressores, com exercícios físicos e uma dieta cada vez mais distante da dieta inflamatória e excessiva de nossa pósmodernidade. O ditado antigo que “depois dos 80 anos, envelhecemos todo dia” significa que a progressão da idade deixa as pessoas cada vez mais sensíveis ao estresse oxidativo, à falta de estímulos e ao sedentarismo. Por muito estranho que pareça, a diminuição de aporte calórico aguça o funcionamento cerebral. Nesta semana uma paciente que passou a semana no Spa, com uma dieta muito restrita, descreveu a sensação de abertura afetiva e exacerbação dos sentidos que a falta de comida produziu em todos. Da mesma forma, a entrada excessiva de energia tem efeito contrário. A impressão muitas vezes preconceituosa que as pessoas obesas são mais lentas ou mais preguiçosas pode ter uma justificativa neurofisiológica. Todos conhecem essa sensação de lentificação em períodos de excesso de comida ou ganho de peso. O Diabetes, também uma consequência do ganho de peso excessivo, é mais um fator de envelhecimento de nossas células.
Os exercícios físicos aumentam a produção de BDNF, sigla em Inglês para Fator Neurotrófico Derivado do Cérebro, um peptídeo que promove o aumento dos axônios e de terminais sinápticos, ou seja, faz os neurônios ampliarem as suas conexões e riqueza de trocas. O estresse físico e mental vai deixando os neurônios carecas, as redes neurais repetitivas e as associações pobres. Os exercícios aumentam esse peptídeo, diminuem o estresse oxidativo, rejuvenescem as células. Convenci depois de muitos anos a paciente (citada acima) que se exercitar era a melhor vacina contra o Alzheimer que afetou a sua mãe. Usei o medo como fator motivacional. No amor e na guerra vale tudo, e Medicina é amor e é guerra.
Outro fator de estímulo aos nossos neurônios é a exploração mental do mundo. Encontrar graça nas atividades, buscar novos desafios e manter a exploração de novos projetos é fundamental para nossas células. Quando o idoso decide que a vida perdeu a graça e não há mais nada que possa querer ou buscar, aí não há antidepressivo que dê conta. Não é uma experiência agradável no dia a dia da clínica atender esse tipo de idoso, que eu chamaria de “La vecchiaia é bruta”, em tradução livre do Italiano, “a velhice é uma merda”. É uma pena, pois vários estudos indicam que os idosos podem ter um estado de humor e bem estar maior do que nas outras idades. Aqueles velhinhos serelepes fazendo ginástica e festa nas reportagens de TV estão realmente curtindo as atividades. Outros estudos mostram que diminuir o uso de gorduras saturadas e aumentar o consumo de vegetais também estimulam o aprendizado de novas tarefas.
Uma coisa que me dá um grande comichão, como médico e como psiquiatra, é descobrir porque a lição sabemos de cor, só nos resta aprender, como diria o poeta. Já sabemos de tudo isso, mas a mudança de hábitos necessita de um impulso interno muito intenso. Os médicos devem virar consultores motivacionais, ou incorporar em sua entrevista algumas técnicas de Motivação para mudança de hábitos. Esse é um dos cursos que eu poderia montar para ganhar dinheiro fácil, mas preciso de técnicas de automotivação que me dão muita preguiça.

4 comentários:

  1. Oi Marco Antonio, a conversa sobre meu projeto e nossa ultima conversa deu excelente resultado, o grupo e professor adoraram, provocou mais insights para a construção do artigo. Falando sobre seu post aqui : um curso de técnicas motivacionais já parece ser um plano real para dar novos passos e surgir num futuro. Com certeza o resultado será além de ganhar dinheiro fácil, será ter um maior aumento pra motivação , um novo upgrade com um software mais inteligente, fazendo mudanças em todo o sistema, rodando nossa atual máquina cerebral de uma forma mais eficiente, com economia de energia em nossas inúmeras atividades diárias pra podermos ter tempo sobrando para realizar as coisas que mais nos dão satisfação, rsrsrs.
    Bj.

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  2. Você disse,disse e disse ...
    É isso mesmo ... Nós estamos cansados de saber , ler, assistir, e etc...
    Mas a preguiça é maior ...

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  3. Não tinha conhecimento que um paciente poderia manter-se em tratamento durante quase 2 décadas !
    Pensei que depois de um certo período e determinadas "vitórias" no tratamento, o DESMAME fosse uma peça fundamental no processo.
    MAS, o que realmente me incomoda, não é o tempo de TERAPIA, e sim o os anos de antidepressivos ... No meu caso, já somam mais de uma década, entre idas e vindas ...
    Ou melhor, inúmeras tentativas de tentar sobreviver sem as tais pílulas necessárias para o melhor funcionamento cerebral !
    Claro que se foi preciso tomá-las no auge da minha "idade produtiva", o que não seria preciso de agora em diante, no natural processo de envelhecimento ?!!
    Se possível, comente mais à respeito destes remédinhos tão bonitinhos ... que nos mantém mais próximos do ""normal"".
    Obrigada

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