sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Do Medo e Memória

Não é incomum as pessoas virem a um consultório de Psiquiatria ou qualquer outra especialidade Psi com uma grande tensão e algum azedume. Uma vez a mãe de uma paciente querida, conhecida por seu mau humor, estava na recepção. A paciente veio alegremente apresentar o seu psiquiatra para ela. Essa senhora rosnou para o psiquiatra, no caso, esse que vos tecla, dizendo algo como: “Oi. Eu sou a mãe. A culpada”. Respondi de batepronto: “Culpada, não. Fornecedora”. Até hoje não sei se o seu olhar perplexo significava que ela tentava entender se aquilo era uma brincadeira, o que eu queria dizer com aquilo, se devia ou não me mandar para aquele lugar, etc. O fato é que a filha foi empurrando a senhora para fora do consultório antes que o caldo entornasse. O psiquiatra manteve um sorriso amigável, reforçando a confusão. A senhora irritável não voltou mais à minha recepção. Se estiver lendo esse post, deixe-me esclarecer: foi uma brincadeira. A senhora nem é culpada nem fornecedora. Mas pare de se levar tão a sério. Isso não faz bem para o Fígado.
As mães se queixam que os filhos só lembram das coisas ruins de sua infância. E elas tem razão. Eric Kandel ganhou um Nobel de Medicina pesquisando um molusco gigante, a Aplysia, que aprendia, rapidamente, a encolher a sua cauda se sentisse a mão do pesquisador se aproximar, após tomar alguns pequenos choques durante um tempo. Kandel descobriu muita coisa sobre mecanismos de Memória estudando esses belos moluscos, uma delas o próprio experimento deixa muito claro: uma função óbvia da Memória é aprender e evitar sobre mecanismos de injúria e risco para o ser vivo que tem a obrigação de escanear e aprender sobre tudo o que possa trazer risco à sua vida. Lembramos, sim, melhor das experiências desagradáveis do que das boas. Quanto mais profundos e primitivos são essas memórias de medo, mais isso vai perturbar o funcionamento futuro daquele ser. Uma amiga que trabalha com Proteção de cachorros estava chorando quando um cachorrinho teve que ser sacrificado, depois de ficar amarrado no mato e sob a chuva por cerca de três dias. O medo, muito mais do que a fome e o maus tratos causaram uma lesão definitiva no bichinho. Ele tronou-se agressivo, hiperagitado, destruía tudo o que estivesse na sua frente. Três famílias tentaram adotá-lo, mas foi completamente impossível. O bichinho virou um pequeno sociopata, principalmente por um medo impossível de dominar que ele internalizou.
Com o bicho homem, o medo pode também causar um grande estrago. Qualquer um pode constatá-lo, não precisa ser da área. Saber aprender com ele e transformá-lo é um grande X da questão terapêutica. Talvez seja um dos motivos que os manuais de Neurolinguística não conseguem erradicar do mundo o comportamento irracional, os medos profundos e injustificados que estão plantados em nosso Cérebro Emocional. É por isso que é necessário tempo e habilidade para operar nesse campo minado.

2 comentários:

  1. A neurolinguística nao e uma ferramenta de aprendizado e, sim, uma ferramenta de bloqueio do problema. Vc nao se torna mais sabio bloqueando o problema... a sabedoria vem com o autoconhecimento e autoobservaçao! Bom post! A.M.

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  2. ""Uma vez a mãe de uma paciente querida, conhecida por seu mau humor, estava na recepção. A paciente veio alegremente apresentar o seu psiquiatra para ela. Essa senhora rosnou para o psiquiatra, no caso, esse que vos tecla, dizendo algo como: “Oi. Eu sou a mãe. A culpada”. Respondi de batepronto: “Culpada, não. Fornecedor""
    --Só trocaria a palavra mãe por MARIDO

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