domingo, 9 de setembro de 2012

Ajuda

Há uma cena no novo filme de Fernando Meirelles, “360”, particularmente forte: Anthony Hopkins faz o papel de um pai procurando por uma filha desaparecida, que acaba conhecendo uma jovem brasileira voltando para o Brasil de coração partido, após uma separação. O filme mostra essas vidas se entrelaçando, com filmagens em Viena, na França, na Inglaterra. A cena com Tony é particularmente forte, pois o seu personagem está em uma reunião de Alcoólicos Anônimos, contando a sua história. O ator revelou que ele usou elementos de sua vida pessoal para fazer a cena, já que passou muitos anos em tratamento e passou por muitas reuniões do AA como aquela do filme. Eu assisti à cena sabendo desse detalhe, que a produção do filme deve ter vazado para atrair atenção, claro. Na cena, ele descreve o quanto odiava aquelas reuniões em seus dias de alcoolista mais grave. Odiava os depoimentos, o clima baixo astral e, sobretudo, odiava as partes dos Doze Passos em que ele, um ateu, tinha que reconhecer que era impotente em vencer a Dependência sozinho, ele precisava da ajuda de um Ser Superior e Espiritual para enfrentar a compulsão. Como um ateu, que acreditou a vida toda em seu Ego e sua capacidade de fazer tudo baseado em sua força de vontade, como esse homem poderia reconhecer a sua impotência diante do Álcool e confiar em um Ser Superior? Essa foi a questão que deve ter unido ator e personagem naquela cena.
Há uma passagem no Novo Testamento que me ocorreu assistindo a essa cena. Um centurião romano vai pedir ajuda a Jesus, pois sua filha está muito doente em casa. O que chamou a atenção foi a forma que o soldado pediu por essa ajuda: “Eu não sou digno da Tua Presença em minha morada, mas se dizes uma palavra ela estará curada”. Jesus responde que ele já pode voltar para a sua casa, que a sua filha já está recuperada, pela força de sua fé.
Quando enfrentamos uma dificuldade, uma doença, tentamos equacionar o problema com as ferramentas do Ego: procuramos por diagnóstico, por algum remédio ou algum bisturi que conserte o que está quebrado. O que eu quero dizer é que a atitude é sempre de combater o que achamos que seja o mal. Não é incomum que esse enfrentamento acabe piorando o problema: a moça que não consegue um companheiro, quanto mais se preocupa com o assunto, mais acaba inconscientemente afastando as pessoas, sobretudo do sexo masculino, pois o medo de se desapontar supera qualquer outro sentimento e esse medo sempre acaba atrapalhando tudo. Toda semana começamos uma dieta ou tentamos perder peso, mas no final de semana caímos em tentação em algum churrasco ou exageramos na sobremesa. O que eu quero dizer é que as coisas que o Ego se propõe tem um determinado alcance, o que depende de mudanças profundas de hábitos para darem certo. Criar o hábito de fazer exercícios, mudar a alimentação, enfrentar uma dependência (e somos dependentes de muitas, muitas coisas) é difícil e essa dificuldade é bastante relatada nesse blog, sob diversos ângulos diferentes.
O centurião consegue retirar o Ego da frente e se abre para a Ajuda, que é misteriosa. “Eu não sou digno da sua Presença” tem o mesmo efeito do Passo que o personagem de Anthony Hopkins detesta no filme: é saber que precisamos de ajuda, de uma ajuda misteriosa quando todas as ferramentas da vontade acabaram falhando, ou se esgotando. Pode parecer algo simplesmente Metafísico ou uma carolice de junguiano, mas talvez exista um fundamento também neural para essa “manobra”.
Havia um emprego onde eu atendia uma quantidade excessiva de pacientes em um curto período de Ambulatório. A tentativa de ser completamente eficaz ou dar um nível de atendimento próximo ao do meu consultório, onde tinha um tempo muito maior para cada atendimento, me deixava tenso, com dor de cabeça e, pior, errando mais do que o normal. Comecei a fazer uma manobra cognitiva, ou uma pequena oração dependendo do ângulo que se olha: imaginava que, sozinho, não conseguiria ajudar ninguém. Precisava de alguma ajuda, de uma forma diferente de atender. Deu certo. Os atendimentos ficaram mais leves, o tempo parecia se esticar nas consultas e a tal “ajuda” vinha. Isso pode ser o Espírito Santo, mas pode também ser um Cérebro que funciona de um jeito completamente diferente quando esvaziamos as expectativas e pedimos ajuda.

3 comentários:

  1. Olá Spinelli,

    Com relação ao seu post de hoje e também o de ontem: é insuportável a sensação que tudo depende de nós; que não existe nada após a morte; que a existência de Deus foi uma invenção da sociedade para suportar a dor e a morte.
    Acreditar em uma Força superior, ou que nós somos frageis e precisamos de ajuda (e recebemos quando pedimos) traz um grande conforto.
    Recentemente fui à missa de sétimo dia de um colega (tinha em torno de 50 anos). Os pais muito idosos estavam presentes. A dor maior foi ver o sofrimento destes pais com a perda do filho (ordem completamente inversa na vida). O Consolo veio com a palavra do padre que repetida vezes nos disse que com certeza ele estava em um lugar muito melhor, com Deus. Dianta da fragilidade e completa falta de controle sobre a vida, acreditar em um Deus traz um consolo infinito. O maior problema é às vezes, não acreditar e se sentir totalmente incapaz.
    Bjos,
    Lúcia Andrade

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  2. Entāo...nāo sei dizer se gostei de ouvir voçe dizendo que tem dúvida da presença de Deus ... Ou se esta incerteza está dentro de minha alma ! E talvez por isso tal fato tenha me surpreendido tanto.
    Tive uma perda tāo grande no ano passado , que até hoje nāo voltei á ser quem eu era ...na verdade, acho que nunca mais serei a mesma pessoa. Meu Pai se foi , repentinamente, aos 70 anos, após um tombo idiota e uma estúpida fratura da tíbia, e depois de ter sido operado e corrido td bem , durante seu pós operatório na UTI, foi pego por uma septcemia ...
    Sinto que sem FÉ, nāo vale á pena viver esta vida nāo ! Nada vai fazer sentido .




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