sábado, 8 de setembro de 2012

O Deus que Lava Pratos

Há um filme antigo, “O Fio da Navalha” sobre a busca espiritual de um homem da alta sociedade inglesa que vai até a Índia encontrar a sua jornada interior. O filme é antigo e vez ou outra acaba passando na TV a cabo, eu assisto um pedaço e volto a zapear, hábito masculino que as mulheres adoram. Uma cena que me ocorreu antes de iniciar esse post foi o personagem principal, interpretado por um jovem Bill Murray, conversando com um hindú, ambos encima de um barco a remo, sobre um belo lago. O hindú está lavando os pratos e eles estão tendo uma conversa sobre a natureza de Deus. O homem de pele escura e bata cor de creme observa que os ocidentais constroem igrejas, catedrais e espaços portentosos para encontrar com Deus. Para ele, Deus estava em cada prato que ele estava lavando, em cada pequeno movimento da bucha e da água do lago. O personagem de Bill Murray respondeu, de bate pronto: “Você pode então lavar as minhas panelas, Sr Bispo?”
Uma coisa que os neurobiólogos, psicanalistas e materialistas em geral dizem é que a ideia de Deus é uma forma de construção universal do homem aterrorizado diante da vida e da morte. Sobretudo da morte. O homem criou assim uma vida depois do final de nossa vida biológica e um Ser Supremo que protege os bons e castiga os maus. Uma espécie de Ordem intrínseca no meio do inescrutável destino. Desde a Renascença que a subjetividade humana tem eliminado de nossas equações a presença de alguma causa motriz não Física. Deus e as divindades foram exilados para o campo da Metafísica e da crendice popular. A nossa vontade de trancendência virou um sintoma neurótico.
Outra fonte inesgotável de sintomas neuróticos está apontado por aquele hindú no filme. Esperamos que as nossas boas ações sejam recompensadas. Esperamos pelo grande sucesso e reconhecimento, as moças esperam pelos happy endings das comédias românticas. Quando a recompensa não vem, tentamos com mais força. Ou muita gente passa a viver em um mundo seco, sem ordem ou esperança, onde somos comandados por genes egoístas e instintos primitivos. Outros se entregam para a sensação de absurdo e de vazio. Construímos grandes catedrais e elas são fonte de turismo e de lucros. Pensamos que vamos encontrar uma resposta dentro ou fora delas, ou a sensação de finalmente encontraremos algum sentido quando os objetivos forem cumpridos. Isso gera mais frustração. Por isso gosto tanto dessa passagem do filme.
Os budistas dizem que a primeira das nobres verdades é a existência do Sofrimento. O sofrimento é parte integrante de nossa experiência encarnada. A sensação de Vazio, de Ânsia, de Medo do Futuro. Aqui é um ponto em que a Ciência Materialista se encontra com a Religião. A angústia diante do futuro é uma fonte inesgotável de medo e de Insegurança, talvez a mãe de todos os pecados e todas as mesquinharias humanas.
O homem lavando pratos sobre águas calmas nos mostra uma tarefa que recebemos sem saber da Divindade Invisível: podemos criar harmonia no mundo caótico, podemos arredondar as pontas e tornar as espetadas menos dolorosas. Podemos começar lavando os pratos.

Um comentário:

  1. Podemos e devemos começar lavando pratos...

    "Todos querem ser importantes ..."

    e não percebemos que tudo é importante ...
    ou , nada é importante...
    TUDO é igualmente importante
    TUDO É IGUAL , nem mais , nem menos...

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