domingo, 16 de setembro de 2012

Insight

Havia um chefe no Instituto de Psiquiatria que submetia alguns escritos a nós, escravos, para ouvir a nossa opinião de escravos. Em um de seus escritos, ele dizia que algum dia descobriríamos a Neurociência do Insight e como produzí-lo. Insight significa, em tradução livre, uma visão interior, uma capacidade de enxergar as experiências de uma forma mais ampla e libertadora. Isso não pode ser reproduzido em laboratório. No dia a dia do consultório, é razoavelmente comum ouvir alguém ter essa pequena epifania nas situações mais estranhas. Uma frase de um amigo numa mesa de bar pode dar essa visão amplificada e nova para uma situação. Geralmente uma frase que já foi dita e repetida uma dezena de vezes em terapia, mas que muda completamente de figura com algumas cervejas e o momento afetivo vivido no boteco.
O Insight é uma experiência sincrética. Não dá para reproduzí-lo com um modelo experimental clássico. Foi isso que eu respondi para o meu chefe. A frase dele, portanto, era uma bobagem. Mas o que é uma experiência sincrética?
Esse palavrão significa que é um momento em que Emoção e Cognição se fundem, gerando uma nova visão da vida ou de um problema. Vou voltar a uma cena do "360" de Fernando Meirelles, não porque tenha achado o filme excepcional, mas, antes, essa cena é excepcional. Está descrita no post anterior. Anthony Hopkins faz um personagem carregado de imensa tristeza, que vaga pelo país procurando pela filha desaparecida. A cena transcorre em uma reunião do AA, em que ele descreve exatamente a experiência do Insight. Aliás, duas.
Na primeira, ele conta que encontrou um padre vigoroso em uma reunião do AA, anos antes. O padre notou que sua dependência do Álcool tinha destruído sua energia e ele parecia um cara imprestável e pouco confiável. O homem, um alcoólatra convicto da inexistência de um Deus, agarrou o tal padre em completo desespero e suplicou, suplicou pela oração mais suscinta, mais direta para atingir o coração de Deus e tirá-lo daquele sofrimento. O padre olhou fundo em seus olhos e respondeu que a oração mais suscinta para atingir o coração de Deus é "Fuck it!". Em tradução livre, "Foda-se". Nesse momento, foi como tivessem retirado uma tonelada das costas desse homem. Ele olha para os poucos participantes da reunião e fala: "Já pensou, ouvir uma oração dessas da boca de um padre?". Como eu gostaria de dar uma interpretada dessas, ainda mais dentro de uma batina. Vivemos presos às angústias do que será o futuro, ou às culpas do passado, do que fizemos ou deixamos de fazer até chegar a esse ponto. Essa "oração" é realmente bonita, porque coloca o personagem fora da ruminação infinita dos "Por Quê?" e nos lança para a única coisa que temos, que é o Aqui/Agora.
O segundo Insight para esse personagem é ter conhecido uma jovem brasileira, interpretada por uma jovem atriz chamada Maria Flor. Ela tinha ficado de encontrar com ele para o jantar, em um Aeroporto bloqueado pela neve. Quando ele chega, ela havia saído com um rapaz que acabara de conhecer. Ela deixou uma nota se desculpando, mas tinha obedecido a esse impulso, porque "Só se vive uma vez". Essa frase também abriu um mundo para o personagem de Tony. Ele fala, emocionado, que a sua busca pela filha desaparecida terminava ali. Se ela quisesse encontrá-lo, sabia onde procurar. Se estava morta, então estava morta. Ele promete viver a vida, em sua simplicidade, um dia de cada vez, porque "só se vive uma vez". Os visitantes desse blog podem notar que eu curti muito a cena, não é mesmo?
O Insight é o evento, a frase, a emoção aleatória que faz a Consciência saltar, de uma visão mais limitada para outra mais ampla. Ela nos liberta do nó do medo do futuro e da culpa do passado, em um só movimento.
O meu chefe no HC não mais submeteu os seus escritos para eu ler. Ele também criticava o meu estilo "muito literário" de escrever. Como se pode perceber, isso não mudou um milímetro nesse vinte anos que me separam daquela conversa. O Insight não pode ser reproduzido pela Neurociência. E meu estilo continua literário. "Fuck it".

Um comentário:

  1. ...esse "artigo" fez-me lembrar de uma amiga que uma certa vez me disse que havia ligado o
    ""FODA-SE"" ...ou seja, estava numa fase que não ligava mais pra nada...
    MAS ... pensando bem, pode ter um significado maior: esta libertação do nó do medo do futuro e da maldita culpa do passsado ...
    Este FODA-SE é simplesmente um FODA-SE bem gostoso mesmo !

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