quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Mulan e a Filosofia

Sempre gostei de dar aulas de Psicologia Junguiana usando alguns desenhos da Disney, clássicos ou não. Cheguei a escrever um livro que se baseou completamente na Branca de Neve de Walt Disney, justamente por ter atravessado várias gerações, dos meus avós a meus filhos: todo mundo se rende aos figurinos retrô de Branca de Neve e ao charme dos anões. Já tivemos um técnico da seleção com o nome de um dos sete anões, Dunga (infelizmente o apelido não deixou-o mudo, como o personagem).
Nos últimos posts venho abordando, a pedido de um leitor, o tema da Donzela Venenosa, uma figura feminina que representa para o homem o canto da sereia, o estado de quase possessão e fascínio que algumas mulheres exercem sobre os homens, muitas vezes causando a sua ruína. Algumas leitoras se queixaram indagando se as mulheres já pagaram muito o pato da tal Donzela Venenosa. Desde o Genesis que aprendemos que os males do mundo e a expulsão do Paraíso se deram justamente quando Adão resolveu dar ouvidos à sua esposa, inaugurando toda uma era de maridos que fazem bobagem inspirado nas idéias das respectivas. Para piorar a situação, a salvação veio por intermédio de um Homem-Deus quem, apesar das lendas e das fofocas, parece que optou por não se casar. Senão não conseguiria salvar o mundo, afundado em prestações e despesas com os cartões de crédito. E as mulheres? Elas também não são vítimas do Masculino Negativo, o Vampiro, ou a Fera, ou o Agressor? Claro que são.
Hoje apareceu em sonho de uma cliente a imagem dela comendo um pacote de salgadinho que não era seu. Lá dentro havia uma agulha, que ela engoliu inadvertidamente. Tentou arrancá-lo com a mão, conseguiu, mas isso gerou uma infecção. Ela esperava, no sonho, a vinda do médico com o resultado do exame, para saber se ainda havia a infecção. Com as associações livres, chegamos à conclusão que ela comera as batatas de seu pai. A agulha na garganta representava a sua dificuldade de falar as coisas, sobretudo manifestar as suas necessidades, quase transplantadas da Psique de seu pai. No sonho também havia um Andrógino, um homem ambíguo que a seduzia, seduzia até ela ficar completamente envolvida. Esse cara realmente existia em sua vida e tinha esse comportamento. Após o encontro amoroso, ele sumia e passava a tratá-la como mais uma ficante de sua equipe ou pior, uma velha amiga. A infecção na garganta do sonho representa a depressão que essa brincadeira de Gosta-Se Aproxima- Se Envolve-Fica- O Cara Some acabou gerando nela. O preâmbulo aparentemente nada a ver desse post deriva desse momento da sessão, em que lembrei de um desenho dos Estúdios Disney, “Mulan”. Não sei se os leitores assistiram, é um desenho que já tem uns quinze anos.
Mulan é a filha única de uma família chinesa. Ela é moleca e tem uma relação muito especial com os bichos da pequena fazenda de seu pai. Quando tenta se qualificar para um bom casamento, único destino de uma filha de uma família medieval chinesa, o resultado é catastrófico. Mulan tem uma família pequena e amorosa. Um belo dia vem a convocação para o exército: toda família precisa mandar um homem para a guerra com os hunos. O único candidato da família de Mulan é seu pai, que tem uma lesão grave no joelho. Sabendo que ele não resistiria se fosse para a guerra, Mulan se traveste como homem e entra no exército chinês, onde vai começar a sua jornada em busca de sua própria feminilidade. Ela se apaixona por seu oficial, é claro, mas a sua identidade precisa ser escondida, sob risco de morte.
Mulan representa profundamente as questões da mulher pósmoderna. A moça do sonho, ao comer as batatinhas de seu pai, acaba engolindo uma agulha, o que representa a ferida que lhe foi transmitida diretamente. O homem que não consegue falar, não consegue se mexer e nem engolir as dificuldades da vida. Como Mulan, ela teve que se vestir de homem, fazer MBAs e competir no mercado de trabalho. Como Mulan, ela se apaixonou pelo “tenente” de sua empresa, mas teve que engolir o seu desejo para vencer no jogo corporativo. Hoje ela ajuda a velhice de seu pai e ajuda a amparar o seu “joelho” ferido. Claro que ela encontrou o seu Vampiro, o homem de sucesso que promete ser exatamente o contrário de seu pai choroso. É claro que ela comeu o pão que o diabo amassou e pisou nessa paixão. Ela veio para a psicoterapia para tratar a sua “infecção” psíquica. No sonho, já está bem melhorada. Assim espero.
O Masculino e o Feminino Negativos aparecem em nossa vida para testar nossos limites, abrir caminhos e tirar a nossa zona de conforto. É por isso que eu detesto o nome Anima ou Animus Negativo. São relações sofridas mas que, bem trabalhadas, levam uma menina como Mulan a conquistar o mundo. O que vai tornar a experiência positiva ou negativa é o que fazemos com ela.

2 comentários:

  1. Comparo as escolhas amorosas a uma visita ao supermercado, pessoas que vão ao supermercado com fome acabam comprando mais do que deveriam e acabam comprando coisas que não comprariam se estivessem saciadas, a mesma coisa acontece com as pessoas que escolhem seus relacionamento na hora da fome ( na carência) acabam fazendo uma escolha que não fariam se estivessem satisfeita consigo mesmas. A diferença é que as compras no supermercado acabam, já as escolhas no supermercado da vida nem sempre acabam bem.

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  2. Curti :D

    O xis dessa questão está em aceitar que tudo o que a vida traz pra gente é porque a gente precisa encarar. Tive um "vampiro" em minha vida por seis anos a quem hoje agradeço a chegada. Lamento o tamanho da duração, sim, mas foi o tempo necessário para aprender o que precisava aprender, e ele foi apenas um veículo.

    Enquanto não aceitava seu papel em minha vida, sofria, muito. Até que um dia cheguei num ápice de paciência - iguaria que descobri que tinha, tenho, muita, o que me surpreendeu. Não agüentei mais aquilo, depois de seis anos, e, pela primeira vez, me coloquei inteira: olha, quero assim, vc quer? Não, então vá e não volte.

    Estava inteira, pela primeira vez, e ele parece ter entendido isso. Nunca mais nos encontramos, nem na esquina, nem no shopping, no buteco. E eu me tornei uma pessoa muito mais feliz, assim, inteira.

    Um dia vou encontrar outro inteiro, com certeza. Mas ainda tou esperando, feliz, sim, sem pressa. Aproveitando minha inteireza.

    Grata por esse post!

    D.

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