domingo, 26 de agosto de 2012

Ciência Pop e Academia de Bolso


Hoje aconteceu uma coisa inusitada: o entregador deixou a Folha de São Paulo na minha porta. E olha que eu sou assinante desse jornal. Na verdade, aqui em casa assinávamos os dois grandes jornais. Eu gosto da Folha, minha mulher do Estadão. O problema começou quando cancelamos a assinatura do Estadão. Os caras continuaram entregando. Esperamos um tempo, até que uma moça de um desses Call Centers terceirizados ligou reclamando que não estava sendo pago o Estadão. Avisamos que a assinatura havia sido cancelada, por favor parem de entregar. Ela grunhiu alguma coisa e desligou. O jornal continuou sendo entregue. Ligamos para reclamar da entrega indevida, dessa vez caímos em outro Telemarketing onde funcionários mal remunerados passam o dia ouvindo desaforos. Prometeram que iriam corrigir o erro. Aí começou o inferno. Podemos concluir, cientificamente, que há 3 entregadores diferentes nessa região. Como eu cheguei à essa conclusão? Fácil. Um está entregando só a Folha, um está entregando só o Estadão e outro está entregando os dois. Todo dia de manhã temos a agradável ou desagradável surpresa, mas o fato é que temos o efeito “Shuffle” dos tocadores de Mp3 em nossa porta. Estou pensando, a título de curiosidade científica, em parar de pagar a Folha para ver o que acontece. Vivemos hoje reféns na selva dos Call Centers. Reclamar não adianta, a reclamação nunca chega a quem é devido. Então que tal tirar proveito desses oceanos de incompetência e desinteresse humanos para ver se fico alguns anos recebendo jornal de graça na minha porta? O máximo que pode acontecer é haver um clarão de inteligência nesses verdadeiros navios negreiros corporativos e eles pararem de entregar os jornais aqui em casa, o que, no momento, me parece uma possibilidade remota. Nesse caso, vou recuperar a alegria de ir até a banca com a minha cachorrinha para comprar o jornal de Domingo, junto com aquelas coleções inúteis que eles vendem. Asinatura digital nem pensar, que sou um homem do século passado. Gosto de manchar os dedos na tinta.
Todo esse preâmbulo foi para destacar uma matéria na Folha sobre o fenômeno Pop dos jornalistas e cientistas que se transformaram em uma espécie de autores de autoajuda de alto nível, tornando os artigos e o saber elitizado algo mais fácil e acessível ao público não especializado. Verdadeiros padres Marcelo da Ciência, discorrendo sobre assuntos que não conhecem muito bem, mas tem um bom palpite. O expoente dessa Ciência Pop é o jornalista Malcom Gladwell que eu já citei em alguns posts e que curto muito, aqui entre nós. Não acho que ele seja mal embasado e faz afirmações que doem nos calos de muita gente. Uma delas é sobre um estudo sobre a aplicabilidade e os resultados das mamografias no diagnóstico do Câncer de Mama. Ele levanta, com razão, a diferença importante de avaliação dos diferentes serviços e radiologistas na interpretação do mesmo exame, gerando falsos positivos e falsos negativos. Levanta inclusive a diferença de sensibilidade entre a polpa digital, em bom Português, a ponta dos dedos, tem uma sensibilidade muito maior do que o olhar que precisa vencer todo tipo de artefato para identificar nódulos verdadeiros ou falsos. Lógico que os especialistas não vão dar pulos de alegria a respeito do assunto. Em Psiquiatria já fomos vítimas recentes dessa Ciência Pop: um jornal inglês publicou na matéria de capa uma Metanálise sobre os estudos de eficácia de antidepressivos. O jornalista propagou, baseado em um estudo, que os antidepressivos funcionam como placebo em pelo menos metade dos quadros depressivos, os leves e moderados. São claramente necessários e eficazes apenas nos casos mais graves e com traços genéticos definidos. Pronto. Lá vou eu passar algumas semanas rebatendo os cientistas do Dr Google. Pacientes que tiveram uma mudança radical em sua qualidade de vida após o tratamento de quadros depressivos leves e que foram interpretados como “frescura” ; “falta de tanque de roupa para lavar” (dois diagnósticos leigos bastante comuns) queriam mandar e-mails furibundos para o jornalista. Mas, quer saber, esse artigo jornalístico, de um cara muito disposto a desmascarar o establishment psiquiátrico, levantou uma boa lebre. Alguns quadros depressivos leves respondem bem tanto a antidepressivos como a exercício físicos. Nos casos mais leves, esses medicamentos são uma espécie de Academia de bolso. É mais fácil a pessoa tomar a pílula do que calçar o tênis; é chato reconhecer, mas é assim.

Um comentário:

  1. Realmente, hoje, a ciência médica é muito influenciada pelos grandes laboratórios de medicamentos e de exames. Como medicina é também um negócio, tem que se vender medicações, exames, etc.

    Não li o artigo do jornalista Malcom Gladwell, mas a mamografia mudou a história do câncer de mama nas mulheres. A mortalidade despencou com o diagnóstico precoce. Tem que ser feito, e é muito, muito mais sensível que o exame médico (palpação).
    Bjos,
    Lúcia Andrade

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