quarta-feira, 28 de novembro de 2012

A Relação Abusiva

Lembro de um curso na minha pós que foi particularmente bacana e ilustrativo: como montar uma seita fundamentalista. Não chegamos ao nível de como montar um homem bomba, pois eram tempos anteriores ao 11 de Setembro. Mas a técnica básica nós aprendemos: isolar as pessoas do convívio exterior, de preferência em lugar ermo, sem muitos recursos. Se não tiver luz elétrica, melhor. Importantíssimo é impedir as pessoas de dormir, ou bagunçar todo o ciclo vigília-sono de seus trainees fundamentalistas. Repita, de diversas formas, as mensagens que você queira incutir nos “alunos”: primeiro sugerindo, depois afirmando, finalmente gritando slogans e memes que vão penetrar, de forma cada vez mais profunda, na cabeça das pessoas. Privações são benvindas: privação de comida, de banho, de luz do sol, tudo o que oferece às pessoas orientação, referência. Finalmente, incentive e premie os neófitos que repetirem as mensagens e a ideologia transmitida e questione, isole e humilhe os dissidentes e os questionadores. Em alguns dias você terá fiéis e fanáticos seguidores após uma boa lavagem cerebral.
Venho atendendo alguns casos que me fizeram lembrar dessas aulas. Não estou atendendo nenhum homem bomba, entretanto. Eles não costumam buscar tratamento. As seitas ou os grupos terroristas não são o único lugar onde as pessoas possam passar por isso. O lugar onde pode ocorrer esse condicionamento é na relação abusiva.
A fórmula é muito parecida com as das seitas. Inicialmente, o parceiro da relação abusiva vai tentar isolar a vítima, digo, o cônjuge, de seu meio social. O marido pode implicar com as aulas de dança, ou as tardes no clube; a esposa vai cismar com a pelada de final de semana ou com as Terças Feiras de carteado. Afaste a cara metade de seus amigos e dos interesses que não seja discutir a relação. Uma técnica eficaz é questionar a natureza e a real intenção das pessoas. A família também deve ser afastada, em nome do amor. Os encontros amorosos devem ser ardentes e intensos. Os desencontros também. Uma característica da relação abusiva é essa: quando é bom, é muito bom; quando é ruim, é intolerável.
A relação abusiva usa os pontos fracos do ser amado. Se a pessoa tem medo da solidão, ameace sempre e cumpra, algumas vezes, com o abandono. Uma técnica consagrada é a Dissonância Cognitiva: puna, desmereça e deixe o ser amado a pão e água, durante a maior parte do tempo. Dê afeto, reconhecimento e bons momentos de forma errática, inconstante. Isso faz que a pessoa busque, sem perceber, pelos poucos momentos agradáveis em meio a um cotidiano de cobranças e privações.
Se o leitor já viveu ou está dentro de uma relação com essas características, procure ajuda. Uma relação a dois não é um passaporte para o Paraíso, mas deve ficar, sempre que possível, longe do Inferno. É que ambos os amantes merecem e devem esperar.

7 comentários:

  1. Me vi nesse espelho...

    E estou atualizando meu passaporte.

    Muito bom. Thanks.

    Edison

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  2. Me desculpe, mas não há como descrever de outra forma. Vc é foda. Muito bom.
    A msg é totalmente clear thinker.
    Não há o que discutir. Perfeita.
    Parabéns e obrigado.
    Fabio

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  3. Obrigado, senhores. Vamos ver se as meninas gostaram tanto assim. Abç

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  4. Dr. Marco. Sim, com certeza nós estavamos do texto! Bj

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  5. Dr. Maraco. Sim, com certeza nós estamos gostando do texto. Bj.

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  6. Dottore...
    Sempre impecável em seus textos.
    Sinto saudades.

    Beijo

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  7. relação abusiva
    difícil em ?!
    pode ser em diferentes níveis
    não só no Amor
    digo...pode ser profissional
    infelizmente entre médico e paciente
    digo...pode durar alguns segundos que seja !
    não por isso deixou de ser abusiva
    se é que me entende ?!

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