sábado, 17 de novembro de 2012

Cinquenta Tons de Hades

Estou aqui curtindo o feriadão na praia. Trouxe livros de Neurociência, Psicoterapia Xamânica e uma edição especial do Mente e Cérebro. Bom material para blogar, pois esse blog já viu de tudo, de futebol a pães na chapa. Mas acabei comprando o livro que anda frequentando os nossos divãs, o “Cinquenta Tons de Cinza”. A família aqui reunida e acostumada com a leitura técnica, viu com grande estranheza esse que vos tecla na espreguiçadeira lendo um livro que parece reserva de mercado das luluzinhas. Será que o papai está virando o fio depois de velho? Os moleques tacharam o livro de pornografia e minha mulher chamou-o de erotismo de revista Contigo. Caramba. Um fenômeno editorial dessa monta e já amealhando tantos ataques?
Uma nova confissão: o que me interessa é tentar entender o que essas autoras Sub-Crepúsculo tem que conseguem tocar no Inconsciente Feminino Coletivo. Como que um livro em que uma menina virgem, estudante de literatura inglesa, se envolve com um milionário esquisito que vai lhe proporcionar uma relação de dominação e abuso, psicológico e sexual, pode ser tido e havido como um herói romântico, quase o homem ideal? Como a heroína dessa fábula moderna, Anastasia Steele, fala o tempo todo: Puta merda! Mudaram os príncipes ou mudaram as princesas?
A personagem principal é uma Perséfone. Para quem não conhece um dos mitos mais antigos e mais reveladores da Psique Feminina, lá vai: Deméter é uma deusa virgem, que rege os ciclos da Natureza e do plantio. Zeus, que não perdoa nenhum rabo de saia, tenta seduzi-la. Ela foge o quanto pôde, até se transformar um uma vaca para fugir do assédio. Zeus a percebe e se transforma em um Touro. O final da história é que Deméter dá a luz a uma filha, fruto desse quase estupro, que é Core. A menina vira a felicidade de Deméter. Protegida pela mãe, Core vive num mundo infantil e protegido, colhendo flores e vivendo idilicamente em comunhão com a Natureza. Zeus, sempre ele, fica incomodado com a puerilidade de sua filha. Pede ajuda a Hades, deus do Mundo Inferior, que deixa as profundezas do Tártaro para raptar a filha de Deméter. O chão se abre e o Ser das Profundezas rouba a menina. Deméter passa a vagar pelo mundo, procurando em vão por sua filha. A terra seca, as lavouras se perdem e os homens sentem fome e amaldiçoam os deuses. Zeus fica preocupado com essa perda de Ibope dos deuses olímpicos e vai encher o seu irmão nos infernos, de novo. Como é muito comum na Mitologia Grega, uma solução ambígua é promovida: Hades libera a menina, que já não é uma menina, se vocês me entendem: agora ela é Perséfone, Rainha do Mundo Inferior. Antes de devolvê-la para a Mami, Hades oferece uma romã para a moça. Ela come sem saber que seu ato a deixa presa para sempre ao Mundo Inferior. A partir daí, ela passa dois terços do ano com a mãe, deusa da agricultura e um terço (os meses do inverno e da entressafra) com Hades, deus dos Ínferos e, imagina-se, um gostosão.
Anastasia, heroína da saga, também passou a vida com a presença onipotente se sua mãe. O seu pai morreu quando era um bebê e o homem que reconhece como pai é um frágil sujeito, diluído na fieira de maridos que a mami colecionou. Ela é uma mulher bonita, desejada, mas que consegue se esquivar completamente de sua própria sexualidade. Sente-se feia, desajeitada e intimidada com homens poderosos. É virgem aos vinte um anos (qualquer semelhança com Bella, da saga Crepúsculo, não é mera coincidência). Conhece por acaso o bilionário sadomasoca Christian Grey (Grey em inglês quer dizer cinza, daí o trocadilho do título, “Cinquenta Tons de Grey”). Como Perséfone, Anastasia vai ser raptada pelo Deus dos Ínferos pósmoderno: bilionário, poderoso, com a beleza de um deus grego, absolutamente obcecado por ela, estudante de classe média, mal vestida e completamente alheia ao mundo inferior que o seu Hades vai revelar (o rapaz, além de todos esses predicados, é bastante bem dotado, para desespero do público masculino).
Grey tem vários pontos em comum com o vampiro Edward. O principal é a sua capacidade de enxergar em uma menina comum, alheia à própria beleza e sexualidade, uma deusa maravilhosa. Grey é obcecado por Ana assim como Edward é desesperado por Bella. Eles representam arquétipos adormecidos no homem pósmoderno, cada vez mais desprovido de sua própria masculinidade. Christian Grey é um Hades ferido e apaixonado, que não permite que Perséfone deixe o seu Reino. Pior ainda, ele descobre que seu Reino não vale nada sem Perséfone, digo, Ana. Isso num mundo em que os homens trocam facilmente uma noite de amor pelo controle dos videogames.
E.L. James, autora da trilogia, é ou não é um gênio, heim meninas?

4 comentários:

  1. ahhhhh ... Dr Marco ...
    Aproveita p/ se bronzear, sua aparência, tenho certeza, por experiência própria, fica outra, quando está moreno e reenergizado...
    ande na praia ... sentindo a força do mar e sua infinitude ...
    Todas estas coisas são tão importantes quanto interar-se deste livro, onde as mulheres e homens loucos por amor, mergulham na esperança de se satisfazerem através das páginas repletas de fantasias...

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  2. Não li este livro e nem vou ler!
    Concordo com sua esposa:erotismo de revista Contigo. Perfeita definição!

    Aproveite bastante a praia. Você merece!
    Bjos,
    Lúcia Andrade

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  3. Ah adorei! Agora não preciso mais ler esse livro, cujo sucesso me intrigava tanto quanto a vc....Já sabia da correlação com Crepúsculo, mas agora que vc mencionou Perséfone, entendi, tudo perfeito!

    Mas ó: continuo curiosa quanto ao por que desse sucesso todo. Será pela Perséfone que mora em todas nós? Ou o que? Aguardo seus futuros comentários.....

    Abração! D.

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  4. Gênio foi Jung, que já fazia todas essas associações há tanto tempo atrás..... Esse sim é de admirar e apaixonar.
    Parabéns Dr., texto belissímo, e excelente analogia com o mito de Persefone. ADOREI!

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