segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Dieta do Melão e do Abacaxi


Ontem estava na praia, participando de forma involuntária da conversa de algumas tias da barraca ao lado. Não dava para não saber do que falavam, já que o faziam em tom de voz progressivamente alto e exaltado. Não, não estavam brigando. Estavam contando casos de sua vida cotidiana. Soube que uma delas iria ser madrinha de casamento de um sobrinho que a detesta. A noiva, entretanto, a adora. A sua irmã, mãe do rebento, não havia sido comunicada sobre o casamento. A sua irmã, segundo ela, “é uma pessoa horrível”. Não era possível, dada a proximidade das barracas e dificuldade de encontrar outra longe da conversa, deixar de notar a quantidade de cerveja e petiscos que animavam o já animado convescote. Pastéizinhos, sequinhos mas com pouco recheio, segundo uma senhora com formas avantajadas, salgadinhos, lula frita e sorvetinhos. Outra senhora conclamava o grupo a iniciar, na Terça Feira, a dieta do Melão e do Abacaxi. Por que não do Mamão e da Jabuticaba, minha senhora? Uma outra segredava, já depois de algumas latinhas de cerveja, que fora amante do marido por muitos anos e que ainda ficava insegura se ele “iria assumi-la” de verdade. Um velho professor me dizia que não há pior negócio na vida de um homem do que transformar a amante em esposa e a mocinha parecia confirmar a regra. Falava das intimidades do casal em um tom audível em um raio de cinco metros de barracas. Era a mais jovem do grupo e pode-se dizer que a tal insegurança não estava fazendo bem à sua forma, entre alguns pastéis e um pacote de Doritos. Aderiu entusiasticamente à ideia da dieta do Melão e do Abacaxi, antes de pedir mais alguma porção de frituras de praia, naquele óleo de boa aparência.
Eu li com interesse o capítulo sobre autoengano em um livro de Neurociência Cognitiva. Qual seria a circuitaria límbica responsável pela capacidade das pessoas serem completamente sem noção a respeito de seu próprio comportamento? O comportamento alimentar, por exemplo? O capítulo foi uma decepção. Fala do autoengano como uma capacidade quase ilimitada que temos de contar uma historinha para nós mesmos que vai apaziguar, temporariamente, as nossas culpas. Pode-se notar isso com muita clareza na barraca ao lado. A mocinha que conta para si mesmo uma historinha de que, agora que é “a oficial” e não a amante, deve ser amada por seus predicados todos (?) e não só por um rostinho bonito. A outra que enxugou algumas latinhas de cerveja, mas vai começar a dieta após o feriado. Vai enxugar alguns quilinhos com vistas às Festas do final de ano. A sua curva de ganho de peso deve ser progressiva nos últimos anos, mas ela é boa pessoa, ao contrário de sua irmã, que “é horrível”.
O autoengano é um mecanismo baseado me nossa capacidade, dada pelo nosso Córtex Pré Frontal, de traçar e projetar cenários para o futuro, possibilitando ignorar um presente pouco promissor. É como um mecanismo do jogador que já apostou e perdeu tudo, mas continua jogando baseado na visão de que a sorte vai virar e ele sairá da atual situação para a riqueza e o reconhecimento que nunca teve na vida. Ou do desempregado que recusa a proposta de emprego, após meses fora do mercado, porque “agora quer dar um upgrade na carreira e não vai aceitar qualquer coisa”. É fundamental para os mecanismos de autoengano essa capacidade de criar uma narrativa e um cenário para o seu futuro onde tudo vai dar certo.
Quem está lendo esse post poderia argumentar que esse mesmo mecanismo de projetar futuros improváveis e se lançar em jornadas temerárias são a base de todo o progresso humano, de todo ser visionário que acreditou no inacreditável e o fez acontecer, geralmente com muito sacrifício. Pois essa é a diferença fundamental entre o visionário e o autoenganador: o primeiro se lança no futuro que projetou. O último fica esperando o dia em que a sorte vai mudar, ou que a dieta do Melão e do Abacaxi vai funcionar, sem necessidade de mudança de seus hábitos alimentares e padrão de consumo de pastéis de praia.

Um comentário:

  1. Para um longo feriadão como esse, o que não faltou pra ti foi ouvir os desenganos do ser humano - regado por latinhas de cerveja, pas téizinhos e para não faltar algo que possa ser consumido com pouca caloria: Melâo e Abacaxi. Eu me diverti muito ao ler o post do feriadão, imaginando as histórias que ouviu, as confabulações com as cenas pitorescas da vida do ser humano... que permanece no sono profundo da ilusão.
    Bom retorno e Boa Viagem
    Beijo

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