quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Indiana Jones e o Dalai Lama

Há uma passagem curiosa do Dalai Lama, que estava sendo entrevistado por um grupo de psicanalistas. Eles tentavam “salvar”o Desejo, numa tentativa de aproximação entre o Budismo e a Psicanálise moderna. Freud construiu um edifício teórico em torno da recuperação do Ser e de sua capacidade desejante. O Budismo, pelo contrário, traz em suas nobres verdades a existência do Sofrimento como condição comum de nossa passagem por esse planeta esquisito. Para interromper esse ciclo eterno de desejo-frustração- dor, Buda sugere a interrupção do desejo. Vamos combinar que são dois sistemas de crença difíceis de serem harmonizados. O Dalai Lama lembrou, finalmente, de um desejo que não vai trazer o Sofrimento. Os psicanalistas se apressaram em perguntar qual seria esse desejo: o Desejo de Renúncia, respondeu Sua Santidade.
Eu pessoalmente fui contra a realização do quarto filme após a trilogia de Indiana Jones. O terceiro filme da série, “A Última Cruzada” é disparado o melhor de todos e nunca deveria ter sido sucedido por aquele pastelão de soviéticos e ETs que é “Indiana Jones e a Caveira de Cristal”. Há uma cena nesse filme (“A Última Cruzada”) que talvez trouxesse uma luz a esse debate. Para quem não lembra ou não era nascido, Indiana Jones passa o filme todo procurando por duas coisas: o seu pai e o Santo Graal. Ele vai descobrir que seu pai, Dr Jones, foi feito prisioneiro de nazistas. Os inevitáveis nazis querem encontrar o Santo Graal e precisam do conhecimento do Jones pai e dos músculos do Jones filho para darem cabo da tarefa. Posso escrever vários posts sobre esse filme, se os leitores quiserem e se manifestarem. A cena que eu vou pinçar, em particular é das mais importantes do filme: o templo onde está escondido o Santo Graal (Cálice onde Jesus celebrou a Última Ceia e que recolheu o sangue vertido na cruz) começa a desmoronar, é aquele corre corre. A vagaba alemã, que pegou os dois membros (no bom sentido, é claro) da família Jones escorrega e está caindo no precipício. Indiana Jones, como bom herói que é, joga-se para salvá-la. Ela é pega pela mão e enxerga o Graal repousando numa fenda. Tentando alcançá-lo, ela cai no precipício. A terra se move e Indiana Jones também escorrega, sendo pego por seu pai (Sean Connery, impagável nesse filme). Quando ele se vira, lá está o Graal. Indiana tenta alcançá-lo, já escorregando. O seu pai alerta para o perigo. Está por um dedo. De repente, ouve-se uma voz grave: “Indiana!” Ele responde sem pensar: “Sim, senhor”. “Deixa para lá”. “Mas pai”. “Deixa”. Indiana obedece e seu pai consegue puxá-lo para longe do perigo. No final ele pergunta a seu pai, que buscara pelo Santo Graal durante toda a sua vida, o que ele ganhou depois de tanta busca, para deixar o Graal no deserto. “Iluminação”, respondeu o velho Dr Jones.
Acho que esse é o Desejo de Renúncia que o Dalai Lama mencionou. Na vida, estamos todos procurando pelo Santo Graal de cada um: dinheiro, sucesso, poder, amor incondicional, atenção, mensalão, por aí vai. Muitas vezes parece que estamos a um dedo de alcançar o que sempre desejamos e buscamos e, de uma forma estranha, a vida diz que não, ou a coisa desejada escorrega entre os dedos. Dr Jones sabe que seu filho precisa abrir mão da Ânsia, que é o Desejo cego e insaciável que os budistas tem razão, é o pai de todo Sofrimento. O Graal não é algo que se possa agarrar, pois está em nosso mundo interno.
Indiana Jones é um herói ocidental, obstinado, emputecido (Harrison Ford está sempre com cara de emputecido quando veste o personagem). A coisa mais difícil para ele é desistir de algo que custou tanto a ser encontrado. Quando ele abre mão e deixa ir, sente-se estranhamente iluminado, leve. Tenho a impressão que essa é a tarefa tanto dos budistas quanto dos psicanalistas: deixar o Ego despreocupado de sua eterna insatisfação, sua eterna e dolorosa ânsia. Na hora que abrimos mão dessa tirania, uma luz se manifesta.

4 comentários:

  1. Engraçado você lembrar desse filme pois ele voltou à memória semana passada do nada depois de...23 anos (já!?).

    Lembrei daquela prova pra alcançar o Graal em que Indiana tem que dar um passo de fé e se lança pra morte contrariando a consciência. Faltou pular pro abismo numa mula e de costas.

    E lembro como Indiana antagoniza com seu pai que é ele do avesso. Um é o americano físico e extrovertido, o outro, europeu intelectual e introvertido.

    Falando em pai, hoje passou Pinóquio na Globo. Um prato cheio pra várias leituras. Posso fazer uma? Ele morre e renasce evoluído algumas vezes pra conseguir reencontrar o pai. Como Indiana Jones, não?

    Abraço, Marco!


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  2. Marco, fantástica sua descoberta do Santo Graal que une duas filosofias tão díspares e sincrônicas como psicanálise e transcendência, oriente e ocidente, luz e sombra, numa simbiose mais do que necessária, fundamental, para aliviar nossa angústia primordial.

    É simples e ao mesmo tempo não é a descoberta de que a chave - o Santo Graal - é a transcendência do famoso ego, revelado por Freud. Mas, para nós, reles ocidentais, isso só é possível graças à psicanálise, terapias e afins.

    Grata pela "chave", mas, por favor, continue com seus posts sobre esse filme delicioso, ícone do meu, digamos, "crescimento", em que Harrison Ford duela quase que de igual para igual com o mestre Sean Connery - se é que existe essa possibilidade nessa dimensão em que nos encontramos...

    Mas jamais esquecerei da cara que ele faz a cada uma das zilhões de vezes em que o Jones pai o chama de "Júnior", para sua profunda irritação. É quase seu atestado único de que é capaz de uma boa interpretação. E olha que sou sua fã, por Guerra nas Estrelas e Blade Runner, apesar de sua expressão recorrente de vidro fumê...

    E assim seguiram, no eterno duelo de egos, à procura do que está dentro, e não fora. Bom que encontraram.

    Muito grata! D.

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  3. Doctor, voce acaba de responder meu torpedo sobre isso de alguns dias atrás.

    Vc é show !


    Edison

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  4. Acho que mais cedo ou mais tarde, com sua ajuda, vou ficar iluminado e leve.

    Afinal, já eliminei 14kg... Kkkkkk.


    Edison "Jones"

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