domingo, 17 de fevereiro de 2013

Do Amor e do Caos

Freud formulou um modelo de princípios antagônicos. Por exemplo, logo nos seus trabalhos iniciais já descrevia o ser humano dividido entre o Princípio do Prazer e o Princípio da Realidade. Mário de Andrade construiu um anti herói arquetípico para nós, brasileiros, Macunaíma, um ser movido exclusivamente pelo Princípio do Prazer: folgado, preguiçoso, avesso ao trabalho, esperando ser alimentado e cuidado sem precisar dispender nenhum esforço. Macunaíma está no noticiário todo dia, nos mensalões, obras superfaturadas e dólares na cueca. Esse é o Princípio do Prazer em contraponto ao Princípio da Realidade, manifesta nesta época em São Paulo pelas enchentes e o abandono legado pela administração macunaímica de Gilberto Kassab.
Freud também opôs, já numa fase mais adiantada de sua obra os princípios da vida e da morte, Eros e Tânatos, como formadores de nosso ser psíquico e da nossa vida. Falou mesmo de um Instinto de Morte, que se manifesta de forma inconsciente mas muito palpável no dia a dia, em motoristas bêbados em alta velocidade, em tiroteios nos botecos, em comportamentos de risco e descuido que vemos e temos quase todo dia. A morte é tão reverenciada e cortejada quanto temida.
Eu, particularmente, gosto dos princípios que estão na Teogonia, Mito da Criação dos gregos que foi abordado no penúltimo post: o Caos e Eros. O Princípio da Criação versus o Princípio não da Destruição, mas o da absoluta desorganização, o Caos. A própria eclosão da vida é um princípio que contraria a tendência natural da desorganização. Até hoje a Ciência tenta entender o evento absolutamente raro e estatísticamente impossível da criação da vida em nosso planeta. A Lei da Entropia descreve que todos os sistemas físicos tendem à desorganização; há a necessidade de uma carga imensa de energia para organizar e estabilizar um sistema de uma única célula. A tendência é que ele volte, sempre, para o Caos.
Os chineses chamam esse princípio organizador de Chi, a energia vital que mantém nosso organismo coeso. Quando termina a Energia Vital, o sistema todo se desorganiza e vem a morte. As diversas doenças representam o desequilíbrio no Chi. Na Medicina Ocidental, falamos de Homeostase, a capacidade de nosso organismo se manter equilibrado com o ambiente e com o funcionamento necessário para a sobrevivência. A doença vem da sobrecarga que o tempo e os estressores ambientais depositam em nosso organismo, gerando o desequilíbrio.
Acho que é por isso que a Alquimia descreve a Obra como um Opus contra Naturam, uma obra contra a natureza. Sempre achei isso uma ideia estranha: se estamos na natureza e fazemos parte de seu corpo, como podemos realizar uma Obra contra ela? Engraçado que pelos princípios da Entropia da para entender a intuição dos alquimistas pré e pós medievais: a obra alquímica, como a obra de nossa vida, é a luta para transformar o Caos em Criação, a tendência à bestialidade em humanidade. Deve ser por isso que seja necessário tanto dispêndio de energia para mudarmos velhos hábitos e velhos sistemas de comportamento. Vou dar um exemplo mais fácil, para esse post não ficar tão complicado: é muito mais “fácil” uma alimentação desregrada, ou soltar as amarras da voracidade, do que aprender a comer de forma consciente, regrada. Toda vez que vamos começar um regime, cutucamos as áreas da voracidade e do caos que repousam em nosso Cérebro, lá onde ainda residem a fúria e a destruição de nossas ganas de paleoprimata. É mais fácil, sempre, destruir do que construir.
Em todas as Mitologias, Deus é o princípio criador que se opõe às Trevas. É o Princípio do Amor que não se opõe ao Ódio: se opõe à dissolução no Caos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário