sábado, 16 de fevereiro de 2013

"É Psicológico"

Já mencionei em outro post que a Medicina encontrou um novo fantasma na máquina nos últimos anos. Aliás, dois: Stress e Virose. Sempre que os sintomas tem origem e curso obscuros e o médico faz pouca ou nenhuma ideia do que se trata, lá vem a hipótese: “É Stress”; “Deve ser uma virose”. O paciente vai para casa com alguma receita inócua e cara de paisagem. O tal do Stress substituiu um antecessor, mais psicanalítico e mais ofensivo, que é o “É psicológico”. Esse era ainda mais fantasmagórico. Significava que o sintoma era uma espécie de invenção inexistente desse território pouco explorado do “Psicológico”. Era um encaminhamento clássico: “Os seus exames estão normais. Você não tem nada. Vai para o psiquiatra”. Não era propriamente um encaminhamento, era quase uma acusação velada: “Você está aqui de frescura enquanto eu estou querendo curar as pessoas que estão realmente doentes. Vai procurar um médico de mentirinha para tratar sua doença de mentirinha”. Lembro nos longínquos anos 90, quando fui em missão de paz implantar um serviço de Psiquiatria de Interconsulta no Hospital Universitário. Digo missão de paz porque a Psiquiatria e as outras artes Psi não eram muito bem vistas pela direção. Logo de cara um colega da Cirurgia veio observar que meu crachá estava errado, porque estava escrito “Médico” na parte de cima. Piadinha entre especialidades. Tive vontade de falar que o psiquiatra abandonava a Medicina para tratar das esposas dos cirurgiões, mas, veja bem, eu estava em missão de paz. Quebrar a cara de um colega logo na primeira semana não seria um bom começo. Ri amarelo da piadinha. Alguns meses depois, o mesmo simpático colega veio me pedir para ver um amigo dele, que estava no Pronto Socorro em Abstinência Alcoólica. Caso complicado de estabilizar e mais complicado ainda de se ver numa pessoa querida. Acabei, depois de algumas horas, diminuindo a sua agitação psicomotora. O meu colega me olhava sem graça, mas evidentemente com uma gratidão comovida. Era a Psiquiatria desbravando a terra de Marlboro.
Apesar dos pesares, há uma grande evolução conceitual do “É Psicológico” para o “Deve ser por Stress”. Não parece, mas tem. O “É psicológico” é de um freudismo primitivo. O “Stress” já é mais neurofisiológico.
Freud descreveu o Inconsciente nos final do século XIX. Pela primeira vez há História foi proposto que fatores de origem mental, ou psicológica, poderiam gerar sintomas físicos. Emoções e instintos reprimidos por nossa civilização neurótica podiam causar sintomas sem base orgânica, como desmaios, paralisias e até cegueira. Memórias traumáticas, ódios reprimidos e taras ocultas poderiam causar sintomas de evolução e curso imprevisíveis, insondáveis. Imagino que muito da antipatia que ainda existe pelos psiquiatras e pelos “psis” em geral deriva dessa fantasia que os profissionais dessa área tem uma espécie de visão de raio X para identificar as neuroses ocultas debaixo do nosso verniz de civilização. Mas esse é outro assunto. O fato é que o tal “Psicológico” também repousava nesse conceito de uma motivação inconsciente para os sintomas. Algo como: “Não é que você tenha uma palpitação ou uma sensação de aperto no peito, mas isso deve derivar de uma causa psicológica reprimida”. Para o paciente que sentia o coração saindo pela boca, não era muito confortadora a ideia de passar anos no divã para descobrir a causa daquilo. Nessa semana um cliente novo perguntou umas 3 vezes na consulta se o tratamento seria prolongado. Falei que iria tratar o seu quadro clínico e quando melhorasse faríamos um seguimento de alguns meses, depois ele teria alta e um abraço. Não precisaríamos buscar suas motivações edípicas se ele não quisesse. Mas poderíamos trabalhar os seus estressores, que estão pesados demais. Percebem a evolução? Se a Psique são várias camadas de uma cebola, podemos tratar as camadas de cima e as mais profundas, mas devemos começas pela casca.
O problema de se falar “É stress” para o paciente é que os colegas não tem noção que devem procurar não pelo stress, mas pelos estressores e a forma de lidar e equacionar os mesmos. Mas o termo dá ao paciente a noção de que há uma sobrecarga e ela deve ser tratada. É uma evolução. Modesta, mas é uma evolução.

Um comentário:

  1. Olá Spinelli,

    Muito legal o seu texto!
    Uma grande porcentagem de pacientes procura o consultório de clínica médica com sintomas e muitas vezes até sinais que não definem doenças orgânicas.
    O problema é o médico lidar com isso. Na grande maioria, ficam pedindo um monte de exames pois é mais fácil do que abordar o paciente para procurar tratamento psicológico/psiquiátrico. Na versade com a massificação das consultas, "não se tem tempo para conversar com o paciente, simplesmente ouvi-lo".
    Bjos,
    Lucia Andrade

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