sábado, 23 de fevereiro de 2013

Quentin Tarantino e o Espelho

Hoje estava ouvindo no rádio um debate no programa Talk Show da CBN, com especulações sobre o Oscar, que terá a sua cerimônia amanhã. Nessa época da sociedade do espetáculo tudo o que vale ou tem validade é o espetáculo em si, portanto eu entendo essa cerimônia muito mais como um espetáculo autopromocional da indústria do cinema do que como uma premiação com alguma credibilidade. Isso sou eu falando de forma analítica e lúcida. Por baixo desse jovem senhor existe um torcedor que gostaria de ver seu time ganhando, mesmo sabendo que os caras por trás dos bastidores estão fabricando os resultados. Fiquei, portanto, algumas vezes irritado com o debate dos “especialistas”. Para começar com um babaca que foi ao debate e saiu logo dizendo que não havia assistido a três dos principais candidatos ao Oscar. Estava fazendo o que nesse programa, cara pálida? Vivemos num mundo encharcado pela autoindulgência, os achismos e as opiniões despejadas com pouca reflexão em todos os lugares. O cara se propõe a ir a um programa que vai debater os indicados ao Oscar e não viu três dos filmes candidatos à estatueta. Se fosse um debate mediado pela Capitão Nascimento, ele já ouviria um “Pede para sair!!” explodindo os seus tímpanos. Finalmente, um dos debatedores, com um forte colorido de petulância, afirmou que Quentin Tarantino era o grande ausente das indicações para Melhor Diretor, pela sua “incrível liberdade narrativa” em “Django Livre” (título brasileiro. O original, em tradução livre, é “Django Desacorrentado”). Uma palavrinha sobre isso: “Django Livre” é uma bosta de filme. Quem está escrevendo isso é um fã de carteirinha de Quentin Tarantino, então vou desenvolver o tema.
Os rapazes de outro programa de rádio (passar tanto tempo no trânsito me dá realmente um expertise sobre os programas de rádio) observou que “Django Livre” era o terceiro filme dessa fase Tarantínica da “vingança dos oprimidos”: “Kill Bill” é a vingança da mulher abusada, “Bastardos Inglórios” é a revanche dos judeus contra os nazistas e “Django” é o herói arquetípico negro, matando os brancos racistas do Mississipi. Discordo. Kill Bill é um pastiche de mangás ultraviolentos, um gibi gigante de uma heroína buscando vingança em um improvável macacão amarelo. “Django” tem uma filiação clara aos “Bastardos Inglórios”, com a vingança, sim, dos oprimidos diante de seus opressores.
Aqui em casa temos uma séria questão conjugal envolvendo Quentin Tarantino. A minha mulher o classifica como um lixo violento com ares de Cult. Temos vários debates infrutíferos a respeito do assunto. Tarantino é um criador pop, uma metralhadora de referências. Basta observar a trilha sonora do “Django” que mistura músicas assobiadas de filmes Western Spaghetti misturados com raps, hip hops e uma salada de referências musicais. Tarantino zomba de opressores e oprimidos, cria paradoxos de assassinos profissionais engraçados e humanos e vilões pândegos, incompetentes, sentimentais, como Leo di Caprio nesse filme. Ele mostra o ridículo do racismo e da violência justamente criando cenas de ultraviolência e de banalização humorística da morte. Posso afirmar que Tarantino tem uma questão importante com a mortalidade e dela se defende com um mecanismo psicanalítico contrafóbico, tornando a morte banal, ridícula, coreografada. Mas se “Django” repete todos os componentes de seu antecessor, o “Bastardos Inglórios”, por que eu gostei tanto de um e tão pouco do outro?
“Bastardos Inglórios” é uma sinfonia para o ator alemão Cristopher Waltz. Diálogos longos, intermináveis, onde ele despeja astúcia, elegância, ironia em sua caça às suas vítimas. É o grande personagem desse filme. Os diálogos são espertos, a tensão crescente, a ironia com o nazismo é inclemente. Django tenta repetir a fórmula: lá estão os diálogos infindáveis, a violência banalizada e a redenção do oprimido na figura de um negro altivo, arrogante que, de escravo humilhado vira um atirador exímio, imbatível. Tudo dentro do figurino delirante de Tarantino. O problema é que dessa vez, o pastiche foi demais, a necessidade de rir do próprio narcisismo tornou o filme bobo, pretensioso, longo demais, maneirístico demais. A tal “liberdade narrativa” que se referiu o tal especialista, virou uma caricatura de estilo. E de autoindulgência. Tarantino sempre riu de sua própria megalomania. Vai ganhar algum Oscar secundário, como de Roteiro Original, mas dessa vez, perdeu a mão.

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