domingo, 24 de fevereiro de 2013

Procura-se um Amor que Goste de Cachorros

Um dos posts mais lidos desse blog no ano passado foi escrito com muita emoção diante da morte de uma cachorrinha, da raça boxer, chamada Bunny. Eu sei que Bunny (coelho em Inglês) não é um bom nome para uma cachorra valente e parruda como ela, mas seu nome original era Fanny e não quisemos mantê-lo. Esse nome estava relacionado com a sua casa anterior, onde sabemos que a fofa Bunny não fora feliz. Ela passou oito belos anos conosco e ainda me lembro do jeito como gemia toda manhã ganhando cafuné em sua nuca.
Com a morte da Bunnynha, ficou inconsolável nossa outra boxer, Chiara. Desde que veio para nossa casa uma bebê que acabara de desmamar, Chiara (pronuncia-se Kiara) sempre teve Bunny como a mais velha. Com a ausência da gordinha mais velha, estava comendo mal e não ficava tão animada quando podia entrar em casa, após mais um dia de “trabalho” hostilizando carteiros e transeuntes. Decidimos desrespeitar nosso prazo mínimo de luto, que é de 49 dias. Este é o prazo determinado no Livro Tibetano dos Mortos para a transmigração do espírito do ente querido, para a sua evolução ou reencarnação. Continuei acendendo incenso e mandando nosso amor para Bunny, mas fomos a um canil no Carnaval do ano passado para escolhermos uma companheira para Chiara. Foi assim que encontramos uma filhotinha tigrada, com a cara preta e que já na ninhada parecia muito travessa. Chamamos a pequena de Scarlett, muitos pensam que por causa da atriz e gostosa Scarlett Johansson, mas eu pensei mesmo na música de Lulú Santos para sua mulher, na época, que tinha e tem um nome maravilhoso: Scarlett Moon, ou Lua Escarlate, em tradução livre. Até hoje eu canto para ela essa música, da moça do bando da Lua. Para mim, ela se chama Scarlett Moon, nome muito grande para uma bichinha tão delicada e fofa. Diz a Neurociência Evolutiva que os filhotes tem essa fofice para nos escravizar. Isso vale para quase todos os filhotes mamíferos, que nos evocam essa sensação de fofice e de ternura.
Jung pegou de Platão um termo que se tornou central em sua teoria: o Arquétipo.
Arquétipos são ideias e figuras elementares em todas as culturas e que se repetem nas religiões e nas mitologias: a Grande Mãe, o Grande Pai, A Criança Divina, o Herói, o Velho Sábio. Jung imaginava que essas figuras e imagens eram uma espécie de DNA de nossa psique. Hoje podemos até aproximar os arquétipos de algumas populações ou agrupamentos genéticos em diversas fases de nossa vida. Somos a Criança Divina, o jovem Herói renovando a vida e a Cultura, o Líder mostrando o caminho, o Xamã tentando trazer a mensagem dos deuses. É certo que a nossa cultura tecnicista tenta esvaziar a importância dos arquétipos, ou duvidar de sua existência. Isso não impede a sua manifestação em nosso dia a dia. Mesmo em minhas cachorrinhas de estimação é possível observar as dinâmicas arquetípicas se manifestando.
Chiara, ao contrário de nossa expectativa, não ficou tão feliz com a vinda da nova bebê. Ela sempre foi acostumada a ser a caçulinha da casa. Em termos junguianos, Chiara era a própria manifestação do Puer dentro da família. Era a bebê sapeca, a agitação permanente, a necessidade de ter a atenção e o dengo de todos. Bunny era muito delicada e introvertida e não se incomodava de ceder o palco para Chiara. Scarlett não é assim. Scarlett é uma monstrinha que já aprontou e já bateu todos os recordes de travessuras estabelecidos pela antecessora. Chiara disputou, e disputa, o lugar de Cão Dominante e continua sendo a chefe da matilha. Mas o arquétipo do Puer passou a ser de inteira posse da pequena. Ela é o bebê da casa, ela é a fofa que leva bronca o tempo todo. O estranho foi ver a mudança que se operou na mais velha da casa a partir dessa novidade. Chiara passou a ser o outro arquétipo, o contraponto do Puer, que é o Senex. Tenho certeza que, como nós, Chiara passou por um momento de transição e de luto, para depois assumir a sua nova posição na vida. Ela fez o que às vezes nos custa anos de análise para fazer: aceitar e viver os diferentes ciclos da vida.
Esses são os arquétipos: a representação das diferentes fases de nosso desenvolvimento diante de dois deuses muito lindos (e implacáveis): o Tempo e a Vida.

6 comentários:

  1. Bem típico de nAo aceitar mudançS nos ciclos de vida... NAo conhecia esse lado amoroso e sentimental seu Doctor!!!!

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  2. Quando penso que já vi o melhor que poderia ter feito ou dito, o Sr. me surpreende com algo inédito e ainda superior!
    Obrigada por proporcionar leituras tão agradéveis, e por existir para ajudar a nós, seres humanos, a vivermos melhor!

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  3. Sensacional .. impressionante como vc relaciona os temas cotidianos com esse seu "multi-science background" (nao fique puto com o termo, mas foi o que encontrei de melhor para descrever o que sinto qdo leio seus posts...rs), promovendo uma leitura agradavel e como sempre, recheada de coisas que nos faz pensar...
    Great Job Doc, Great ..
    abs
    Fabio

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  4. Que bela história! Viva Spinelli, Yung, Platão!
    Abs,
    Priscila

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  5. Muto obrigado por todos esses comentários. Aliás, Fábio, Multi Science Backgroud é sem sombra de dúvida o maior elogio que vc poderia fazer a esse trabalho desenvolvido no blog e no consultório. Obrigado.

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  6. nós (pacientes, leitores e amigos) que agradecemos...
    abs
    Fabio

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