domingo, 14 de abril de 2013

Os Cães

Durante a minha fase de formação e alguns anos depois, costumava ouvir de um cara que frequenta a mídia como luminar da Psiquiatria, que, Psicoterapia, sobretudo nas suas vertentes analíticas, tem uma função importante de autoconhecimento mas não tem efeitos de cura, ou melhora dos sintomas. Do outro lado do muro, bons psicanalistas defendem que a análise serve para desenvolver a consciência do freguês como um todo, o sintoma vai no embrulho. Parece estranho, mas nesse ponto parecem que as visões são tão opostas que acabam se tocando: as Psicoterapias Profundas não tem como objetivo melhorar sintomas. Antes disso, devemos desenvolver a Psique como um todo. Bobagem de um lado. Bobagem do outro.
As descobertas da Neurociência, que tiveram um grande impulso na década de 90, demonstraram que a Mente atua decisivamente no funcionamento Cerebral. Pensamentos de alegria ou de felicidade ativam áreas cerebrais e são processados de forma diferente de pensamentos de tristeza ou angústia. Isso me lembra uma parábola de um monge ou um guia espiritual que dizia que dentro dele havia dois cães: um do Amor, outro do Ódio. Os alunos perguntaram para ele qual dos cães seria o mais forte. Ele respondeu: aquele que eu alimentar mais. Pela Neurociência moderna, sabemos que o monge estava sendo bastante otimista, para dizer o mínimo. Em nosso Subcórtex, temos um cão muito maior para o Ódio do que para o Amor. O medo, a necessidade de domínio territorial, a luta pelo alimento e melhores condições de perpetuação de seu genoma, são um imperativo inconsciente que nos movem mais do que gostaríamos de admitir. Alimentar a Mente com sentimentos de Amor e respeito pelas diferenças com o Outro é dar de comer a um cão muito menor, muito mais frágil do que o outro que é o da desconfiança, da defesa de interesses e da disputa. Destruir é mais fácil do que criar. Defender é mais fácil do que confiar. Alimentar o cão menor e fazê-lo crescer é uma tarefa e tanto, que dura alguns anos e demanda uma crença e uma convicção muito grande nesse caminho. O caminho do Ódio e da Divisão vende jornais e aumenta o Ibope de programas popularescos. O deputado Marco Feliciano que o diga: está exultante com o foco e a atenção que sua insignificante pessoa tem recebido através de um discurso sectário e de manipulação do Medo e da Divisão. Bater nele é vitaminá-lo, é dar a um político inexpressivo um valor de divisão que ele não tem. Mas a mídia gosta do enfrentamento, da divisão.
No âmbito da psicoterapia profunda, Symbolon é aquilo que une, que junta os mundos do Real e do Imaginário; Jesus é um Símbolo da união do Mundo Externo com o Mundo Interno. O “Eu e Meu Pai somos Um” tem a ver com isso. Dia-bolon é aquele que separa, que divide. Eles são funções complementares em nossa vida, mas é sempre mais fácil dividir do que somar em nossa matemática psíquica.
Uma boa psicoterapia, seja de qual linha terapêutica for, é aquela que une, que sintetiza o que antes estava despedaçado dentro de uma Psique. Para isso, pode buscar alimentar o Cão do Amor, com escuta, compreensão, amplificação do Sintoma. O Cão do Ódio e do Medo é sempre mais forte, por isso que fazer Psique é tão delicado e tão difícil. Uma vez eu dei supervisão para uma jovem terapeuta corporal. Ela estava surpresa com a quantidade de espetadas e de raiva que tocar no corpo das pessoas gerava. Falei para ela que se queria ser terapeuta, era bom engrossar o couro porque ainda tomaria muita porrada em sua prática. Ela aposentou a maca e hoje se dedica a uma boa carreira como decoração de interiores. Ou decoração de exteriores, pois quem redecora os interiores somos nós. Terapeutas.

Um comentário:

  1. Talvez a religião tem um importante papel nestes dois cães interiores. De certa maneira, a religião e acreditar em um Deus nos faz alimentar mais o cão do Amor.
    Muito legal o seu texto.
    Lúcia

    ResponderExcluir