quarta-feira, 16 de março de 2011

Cisne Negro

Continuando com a nossa série do Oscar, vamos falar do filme que deu a estatueta de melhor atriz para Natalie Portman. Caso o leitor(a) não tenha visto o filme, sugiro que interrompa a leitura desse post. Agora. Eu avisei.
Uma cliente arremessou na minha cara: ela morre no final (eu não tinha visto o filme ainda). Discordo.Por mais que o filme seja evidentemente uma fábula, e que um filme exija de quem vê uma "suspensão da descrença", seria bem difícil uma bailarina dançar "O Lago dos Cisnes" inteiro com uma perfuração intestinal e hemorragia interna. A personagem de Natalie Portman vai entrando cada vez mais no registro da Alucinação, até um ponto que o espectador é surpreendido em saber que o que parecia uma cena real só existia no imáginário da bailarina. Ela está o tempo todo enfrentando os próprios fantasmas, que aparecem com o seu próprio rosto ou com o rosto de uma bailarina, sua amiga/inimiga, que tem tudo o que falta à protagonista: sensualidade, espontaneidade, entrega. É disso que o filme trata: de enfrentar todos os seus fantasmas, a rivalidade, a inveja, a disputa pelo papel, a disputa pelo olhar do Outro. A cena final está no registro da alucinação. Nâo dá para afirmar que ela morre, nem o contrário.
A personagem principal de Black Swann é tangida o tempo todo entre a mãe superprotetora/controladora e o diretor que lhe esfrega na cara as suas deficiências, ameaçando tirá-la do papel. A psicologia junguiana diria que ela está presa numa fortíssima tensão de opostos, esmagada entre a Mãe Terrível, que lhe cobra: "Eu abri a mão de minha carreira para cuidar de você, agora está na hora de me retribuir, está na hora de você realizar os meus sonhos frustrados" e do Pai Voraz e Incestuoso, personificado pelo diretor, que a toma à força, exige a entrega e espera pela hora de fundir-se com ela, sexualmente, sensualmente, deixando a coitada da menina ainda mais perdida, mais despedaçada por todas as expectativas astronômicas colocadas em suas costas. Quando ela mata alucinatoriamente a si própria, encontra finalmente a sua perfeição. É uma cena particularmente bonita quando ela se livra de todos os medos, todas as dúvidas, todas as expectativas projetadas para se encontrar na personagem e incorporá-la. Finalmente ela se livra dos pensamentos e dos olhares para desabrochar como grande artista. Nesse momento ela se entrega e isso dói. Esse é o significado de sua hemorragia, no final do balé: a menina/moça finalmente encontra e dá vazão à sua expressão artística de dentro de sua ferida, não de fora e isso sangra.
O leitor(a) pode achar que eu gostei muito do filme. Gostei como psicoterapeuta junguiano. O filme me ajudou muito nessa semana. Como expectador, achei que o filme foi salvo do esquecimento pelo Oscar que deu à Natalie Portman.

Um comentário:

  1. Um filme difícil de ser assistido e com tantas possibilidades de interpretações e camadas de entendimento. Bacana você ter comentado dele, principalmente o final.

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