sábado, 26 de março de 2011

O Micro e o Macro

Não é incomum ouvir as pessoas falando no consultório que não invejam a posição do terapeuta ou do médico, pela carga emocional que recebe diariamente, como uma radiação de um reator de Fukushima. São ossos do ofício que aprendemos a lidar, embora os profissionais de ajuda em geral acabem sofrendo com várias doenças ligadas ao estresse, e não é incomum ouvirmos histórias de doenças oncológicas e mortes prematuras de terapeutas. Como no caso de muitos pacientes, os profissionais de ajuda devem fazer a lição de casa: gerenciamento de estressores, boa alimentação, exercícios físicos e supervisão dos pares.Sem mencionar o principal, a dedicação ao próprio processo e à própria ferida. Mas esse não é o tema desse post. A grande questão é a angústia inerente à existência humana, que aparece em todos os locais de ajuda, consultórios incluídos. Nós, pós modernos, temos exacerbados motivos de angústia.
Outro dia estava vendo o Animal Planet ou outro canal relacionado, uma fila de filhotes de Leão Marinho, atrás da mãezona em fila indiana, andando com uma ordem e disciplina incomum em humanos. De repente, um dos bebês fica preso em um congestionamento no cenário glacial e se vê perdido do resto da galera. Impressionante o jeito que ele bota a boca no trombone. Chora e grita furiosamente, até a mãe ouvir e responder, localizando o retardatário. Parecia uma dessas cenas que a gente vê de relance e já passa para a próxima zapeada nos canais. Mas dessa vez eu parei por algum tempo. Aquela cena é o próprio mecanismo de uma crise de Pânico: a sensação de absoluto desamparo e de não sentido. A sensação de se estar em um mundo solitário, onde ninguém vai conseguir resgatá-lo. Essa é uma grande angústia de espécies onde os filhotes precisam de muitos cuidados até atingirem a independência. Na espécie humana, muitos nunca atingem a tal independência. Somos uma espécie gregária que desde sempre andou em bandos e precisou muito do apoio do grupo. Nos últimos séculos nos tornamos mais individualistas, os núcleos familiares diminuíram e a busca de autorealização nos tornou mais solitários e livres. Essa angústia frequenta os nossos consultórios. Tem sempre um gurú de autoajuda ou um pastor engravatado gritando na TV que temos que sonhar e realizar os nossos sonhos. Tem sempre fotos de Revista Caras sugerindo que a Felicidade se encontra em algum lugar das colunas sociais e das Ferraris último tipo. Como o bebê de Leão Marinho, as pessoas choram a sensação de estarem desgarradas dessa fileira de pessoas felizes e realizadas. Onde estão os casamentos perfeitos, as carreiras brilhantes, o sucesso que eu posso atingir apenas visualizando e mantendo uma atitude positiva? As pessoas choram pelos sonhos Macro que não se realizam. Perdem a dimensão microscópica, das rotinas e dos cotidianos, das felicidades invisíveis, do heroísmo anônimo que é construir um dia depois do outro. Mas não. Alguém ainda vai te provar que felicidade está em algum lugar do futuro em que finalmente você vai sentir que está livre da insegurança. Ou na próxima cinta emagrecedora do canal de compras.

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