quarta-feira, 30 de março de 2011

Vincere

Finalmente consegui ver um filme muito recomendado na época de seu lançamento, "Vincere" de Marco Belocchio. Eu já sabia pelas resenhas que ele tratava da história de um filho ilegítimo do ditador fascista Benito Mussolini. O filme é muito duro, mas serve como reflexão sobre o que venho postando a respeito das Obsessões Amorosas. Para não estragar o filme de quem vai assistí-lo, posso apenas adiantar que é a história de duas vidas devastadas por uma obsessão amorosa. Nas primeiras cenas o jovem Benito está debatendo numa assembléia de uma pequena cidade italiana, Trento, sobre a existência de Deus. Para provar a sua tese, que Deus não existe, Benito Mussolini desafia o Criador a fulminá-lo em cinco minutos. Passados os cinco minutos, está provado que Deus não existe. (O tempo de Deus é misterioso, o raio que fulminou-o demorou mais 40 anos e veio pelo fuzilamento do ditador pelos partizani, resistência italiana na Segunda Grande Guerra). Na platéia, siderada, está uma mulher belíssima, chamada Ida Dalzer, se não me engano. Ela se apaixona perdidamente por aquele jovem idealista, vive com ele um tórrido romance, acaba engravidando e tendo um filho, a quem dá o nome do pai, Benito. A carreira de Benito pai dispara, ele se torna um herói nacional na Primeira Guerra, depois sobe ao poder e se torna o Dulce, a Itália é varrida pelo fascismo. Ida Dalzer é riscada da vida do líder, que volta para a sua família original sem reconhecer o caso e o filho que tivera em Trento.
Ida Dalzer passa a escrever cartas e enfrentar autoridades para ser reconhecida e reencontrar o amor de sua vida. Um sistema delirante vai se formando: ela sabe que será redimida, o seu casamento validado, o seu filho reconhecido como legítimo. Toda a sua existência psíquica depende disso: ela só existe se for acolhida pelo seu amado. Ida Dalzer vai perder tudo, a sanidade inclusive, nessa cruzada. Morre clamando pelo seu direito, pelo seu amor.
Este filme fala sobre duas situações muito presentes nos Transtornos Obsessivos Amorosos: o silêncio e a fabulação. Para o jovem e ambicioso Benito, capaz de desafiar ao próprio Deus, a jovem Ida foi um caso amoroso como tantos outros de sua vida. Ele era o garanhão, tinha o direito de espalhar o seu sêmen pelo mundo. Para Ida, ele era o macho alfa, o único homem de sua vida, para quem ela se entregou de corpo e alma. O filme mostra os dois personagens perdendo essa alma: Benito deixa de ser o jovem idealista para se tornar um ditador sanguinário, que arrastou a Itália para uma guerra ruinosa, da qual o país demorou décadas para se recuperar (quando vejo o atual Primeiro Ministro italiano, Silvio Berlusconi, me pergunto se a Itália realmente chegou a se recuperar de Mussolini). Ida vai criando um mundo próprio, criando para si uma fábula para explicar a ausência e o silêncio do homem amado. Ela não consegue, em momento nenhum perceber que o seu amor está sendo entregue a um homem que não é mercedor dele, que está sacrificando a sua vida e a de seu filho para tentar buscar um amado inexistente. Para não encarar esse vazio, vai se afundando em um vazio cada vez mais profundo e irrecuperável.
Morrer de amor, sim, meninas, mas por alguém que merça esse amor, minimamente.
Tem uma música linda de Chico Buarque, sobre as palavras. Num de seus versos, ele fala: "Nós aprendemos/ Palavras Duras/ Como dizer perdi/ Perdi". Muitas vezes, os amores e as obsessões amorosas terminam nessa palavra: perdi. O que Ida não sabia é que, nesse caso, perder seria ganhar.

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