domingo, 27 de março de 2011

Philos e Phobos

Estava lendo um estudo sobre a melhora nas taxas de mortalidade de bebês prematuros. Como muitas descobertas da ciência, essa também foi acidental. Uma enfermeira, apesar das orientações expressas da chefia de não tocar os bebês, não aguentou a choradeira e acabou massageando as costas de um prematuro. Nos outros plantões, passou a fazê-lo em outros bebês. Felizmente o tempo que passavam internados permitiu à equipe observar que os bebês massageados passaram a crescer e engordar mais do que os intocados, numa medida objetiva de melhora. Desde essa época, no início dos anos 80, pipocaram os estudos demonstrando os benefícios do estímulo e do contato amoroso para a boa ou má evoluçao de várias doenças.
Uma das coisas que os relacionamentos pós modernos perderam é justamente a incidência do tempo nas relações. O começo, o meio e o fim são acelerados pelo medo de um e o desespero de outro. Um tem medo de se comprometer, o outro o desespero de conseguir o tempo para a relação se estabelecer. O tempo para as massagens fazerem efeito e o vínculo se estabelecer.
Freud descreveu e formulou leis maravilhosas baseadas na sua impressionante capacidade de observação. Dividiu as forças básicas da Vida usando duas divindades gregas, Eros e Tanathos. Eros, o deus Cupido, é a nossa capacidade de explorar e sentirmos atração pelo Outro, pelo desconhecido, pelo o que vem por aí. Tanathos representa o fascínio e a procura inconsciente da Morte, ou da Não Vida. Basta ver o fascínio que muitas pessoas tem por histórias de doença e morte para observar as folias de Tanathos em nossa cultura. O que seria dos Datenas e de outros programas se não houvesse esse desejo de ver e procurar a desgraça? Mas hoje que acordei cedo e com sensação de humildade impressionante, vou dar um pitaco no tio Sigmund. Antes de Eros e Tanathos, temos Philos e Phobos. Não sei se a Mitologia Grega fornece divindades específicas para ambas. São antes princípios do que deuses. Os deuses representam tendências psíquicas formadas no decorrer dos séculos, o que os junguianos chamam de Arquétipos. Talvez existam populações genéticas ou redes neurais que, quando ativadas, possam acionar o comportamento arquetípico. Na usina de Fukushima há vários funcionários que vem ignorando o risco à própria vida para tentar evitar uma catátrofe nuclear. Diante do risco para a espécie, ativa-se o Arquétipo do Herói e assim que são chamados os 50 de Fukushima, de heróis. O instinto de preservação da própria vida é inibido diante da necessidade de salvar a própria espécie. A raça humana, capaz de tanta estupidez, também é capaz de ativar esse comportamento de forma consciente. E sublime.
Philos e Phobos são a expressão de princípios que existem na Física primordial: forças de atração e de repulsão. Ambas são inerentes e importantes à vida. Temos também redes neurais e populações genéticas responsáveis pela ativação de um ou outro módulo. Temos pessoas que naturalmente sentem confiança e atração pelo Outro, enquanto outras pessoas parecem sempre com medo, sempre esperando um ataque. Quando eu leio sobre os bebês que se desenvolvem mais apenas recebendo durante alguns plantões o estímulo amoroso nas costas, fico um pouco arrepiado se essas pessoas que tem particularmente dificuldade em confiar, em se entregar, ou receber o Outro com o princípio da Philia: será que não gravaram em suas células essa desconfiança desde o berço? Será uma tendência genética ou uma influência do ambiente, transmitidas por pessoas com pouco afeto?
Tudo hoje nos estimula ao Phobos. Cercamos e nos cercamos com a hipervigilância do medo. O Outro sempre nos traz medo. Os homens tem medo que as mulheres surtem ou façam cobranças desproporcionais. As mulheres tem medo que o afeto de hoje vire um silêncio congelado amanhã. Como um bebê isolado na incubadeira. Phobos está ganhando, de goleada. Os programas de Philos devem ser trazidos de volta às nossas células. Parece fácil de fazer, mas não é.

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