sábado, 19 de março de 2011

Saudade do Presente

Outro dia estava lendo na Folha uma matéria sobre a penetração do Budismo no Brasil. Lembro de ter ficado emocionado com a declaração de uma senhora, de origem muito humilde, que estava muito feliz por perceber que poderia ser uma ótima budista simplesmente sendo uma ótima faxineira. Ela não precisava ganhar mais dinheiro para dar ao pastor, nem se preocupar com o Pecado e a Vida Eterna. Era só entregar-se para o momento absoluto e encontrar o Nirvana lavando a janela. É claro que ela não falou tudo isso, a declaração foi sobre ser uma ótima faxineira. Mas valeu. Como me valeu.
Nós fomos completamente encharcados com a doutrina americana do Ter para Ser. O que você faz? Isso dá dinheiro? Os nossos valores são obviamente pautados pela capacidade de consumo, o carro, o sapato, a bolsa, o relógio. Todos signos de sua capacidade de consumo. Quando morei em um pequeno apartamento no Morumbi no início do casamento, ficava espantado com um vizinho que tinha um carro mais caro do que o apartamento. Falei disso uma duas vezes, o cara bateu o carro e eu evitei o assunto desde então. Espero que ele esteja feliz com os seus carrões. O fato é que aquela faxineira achou um atalho para fora de nossos ciclos de Produzir-Acumular-Consumir-Morrer. Descobriu um atalho para o Presente.
Nada diferencia o nosso Cérebro e nossa capacidade intelectual tão profundamente do resto dos habitantes desse planeta do que a capacidade de prever e interferir no Futuro. Plenejamos, sonhamos, construímos o Futuro do nada, apenas de nossa capacidade de imaginar, plenejar, executar. A área do Cérebro capaz de Planejar-Executar-Rever e Replanejar é o nosso Lobo Frontal, justamente uma das áreas mais recentemente desenvolvidas na Evolução. É nossa glória e nossa tragédia. Fiz alguns posts sobre os Transtornos Obsessivos Amorosos. Uma base evidente para a Obsessão Amorosa é a percepção do Futuro ameaçador. Se eu não encontrar a pessoa certa, terei um futuro de infelicidade e privação, não terei ninguém para me ajudar ou proteger. Quanto dinheiro é dispendido com a construção de uma idéia de futuro protegido. Quantos livros de autoajuda são consumidos para termos o futuro de nossos sonhos.
Uma coisa muito legal de ter filhos é a percepção das fases da vida que passam e não voltam. A fralda, os dentes de leite, as espinhas, as formaturas. Podemos viver a passagem dos ciclos com uma sensação de saudade do Presente, saudade do que estamos vivendo aqui e agora e que não vai voltar mais. Podemos praticar essa saudade todo dia, em vez de corrermos loucamente na direção de um futuro que, quando chega, já é Passado. Podemos ser bons faxineiros dos intermináveis pensamentos de nosso Ego medroso.

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