sábado, 26 de novembro de 2011

Bunny

Lá em nossa clínica, o Espaço Quattro!, somos muito ligados em cachorros. Preciso confessar que, em nossos eventos, recolhemos quilos de ração para entidades de proteção e resgate de cachorros. Com o colapso das ideologias, imagino que os partidos políticos serão divididos em amantes de cachorros, de gatos, os indiferentes e os que odeiam ambos. Não acho possível alguém amar gatos e cachorros equanimemente. Temos que fazer uma opção. Sou, portanto, do partido dos cachorros. Recomendo aos casais como primeira experiência de paternidade a adoção de um bicho de estimação. Cachorro, de preferência. Quando compramos uma casa sem saber se daria a grana para as prestações, estávamos sem grana nenhuma. Os primeiros trezentos dólares que juntamos (em época de superinflação, os cálculos eram em dólares) eu queria investir em uma antena parabólica. A minha mulher queria uma filhotinha de boxer. Adivinha quem ganhou. Eu quis chamar a cachorrinha de Parabólica, mas fui novamente voto vencido. Como os boxers tem olhos baixos e um pouco tristes, sugeri Giulietta Masina. Nome um pouco pretensioso e intelectualóide, como eu. Dessa vez, colou. Giulietta Masina era uma atriz italiana, esposa do grande diretor Frederico Fellini, eu acabara de ver um filme em que ela, já velhinha, contracenava com Marcello Mastroianni em “Ginger e Fred”. Nunca pensei que ficaria tão apaixonado por um bicho como por Giú. Quando vieram os bebês, ela se tornou uma babá delicada e zelosa, sempre deixando os avós enlouquecidos com as suas lambidas nas crianças. Giú não tinha uma saúde de ferro, era vítima dos cruzamentos consangüíneos de criadores em busca de uma marca, um pedigree. Morreu antes de completar nove anos, de uma Torção de Estômago. Ficamos, todos, quase um ano em luto. Até o gato, um viralata desaforado chamado Tom ficava no telhado da frente de casa de plantão, esperando a volta de Giulietta. Como uma família em que os pais são terapeutas, esperamos o luto se amenizar e ser elaborado, não cometemos o absurdo de sair comprando outro bicho como se a Giú fosse um brinquedo quebrado. Uma amiga aqui da Granja Vianna, ela também completamente louca por cachorros, achou uma boxer de 2 anos no site, para doação. Ela veio até com uma casinha, onde estava escrito Fanny, seu nome. A minha professora da quarta série se chamava Fanny e não me deixou saudades. Para não jogar a plaquinha fora nem deixar a cachorra pirada com uma mudança de casa e de nome, passamos a chamá-la de Bunny. Felizmente ela não é fluente em inglês, portanto não se sente ridícula por ser um animal de mais de trinta quilos que tem o nome de coelho. Eu pensava na verdade na namorada de Pernalonga, Lola Bunny. Mas ficou Bunny, mesmo, ninguém chegou a usar o nome Lola.
Bunny ficava num quintal acorrentada. O pouco que soubemos, e deduzimos, era que o dono gostava dela e a sua esposa mocréia, não. Ela não podia ficar dentro de casa, a comida era regulada e pelo visto, às vezes esqueciam de dar, porque Bunny sempre come como uma versão cachorral de caminhoneiro. O que tiver no prato, ela limpa. Apesar de estar com a gente há sete anos, o tempo de uma vida para um cachorro, Bunny nunca perdeu as marcas dos maus tratos que sofreu. Temos outra boxer mais jovem e matusquela que lhe faz companhia, Chiara (voltamos aos nomes italianos). Eu brinco com elas gritando e balançando cabos de vassoura. Chiara nunca se assusta e consegue diferenciar quando realmente o grito significa que ela comeu de novo o chocolate da despensa ou que estou brincando. Bunny, não. Qualquer grito para ela provoca medo, mesmo o de brincadeira. Impressionante que um bicho que sofreu maus tratos ser capaz de tanta doçura, tanta paciência. Com o desmatamento aqui da região, outro dia veio para um porco espinho aqui no quintal. Bunny, que já está velhinha, encurralou o bicho num canto e tentou atacá-lo como pôde. Chiara ficou dando a maior força, olhando de lado, mas não se meteu a morder aqueles espinhos. Bunny ficou com espinhos enfiados no céu da boca, na testa, nas gengivas, dentro do nariz. Eu tive medo que ela reagisse ao estresse e a anestesia, pois para deixar remover aqueles espinhos iria precisar de sedação. Peguei um alicate de fazer bijouterias e arranquei, um a um, os quarenta e oito espinhos enfiados em regiões dolorosas da boca e rosto da cachorrinha. Ela reclamou, resistiu, chegou a ameaçar me morder, mas agüentou firme o pequeno procedimento, feito por um psiquiatra até às duas da manhã, sem anestesia, sem me dar um arranhão.
Os budistas chamam de bodhicchita a capacidade de amar infinitamente, independente se o amor é retribuído ou não. Bunny é um ser bodhicchita.

2 comentários:

  1. Bunny, Chiara e Giú. Lindinhas as suas meninas!!! Lindos os nomes e as histórias delas. Acho que nossos animaizinhos são bençãos e marcam fases de nossas vidas! Aprendemos e mudamos muito com eles. Uma boa iniciação na paternidade, e na maternidade também. Há terapias interessantíssimas com animais, cães em hospitais, equoterapia... Tenho certeza que a corajosa Bunny sabe que o grito é só de brincadeira, talvez ela só não goste e prefira os carinhos! Um abraço.

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  2. Cachorro falando inglês, coisa de psiquiatra mesmo !!! kkkk

    I love dogs.


    Edison

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