domingo, 6 de novembro de 2011

O Sonho do Arquétipo

Há um pequeno e maravilhoso texto de Jorge Luís Borges, escritor argentino, em que um homem, provável fora da lei, é sistematicamente esfaqueado pelos homens de seu bando, até que vê, em meio a seus agressores, a figura de seu filho de criação. Ele olha para o traidor e suspira: "Peró, hombre!". O narrador conclui que ele não sabia que aquilo estava acontecendo para que uma cena se repetisse. O texto, pequeno, gaúcho, mítico, faz uma alusão a uma cena de "Júlio César", de Shakespeare, onde o imperador de Roma é apunhalado por seus traidores no Senado, até entrever a figura de seu filho. "Até tú, Brutus?" foi a frase que atravessou os séculos e que Borges estava recriando numa cena de faca gaúcha.
Jung descobriu que, além das memórias e dos inonscientes pessoais, havia uma série de imagens, impressões e estruturas que todos compartilhamos, o Inconsciente Coletivo. Esse extrato do inconsciente tem uma espécie de DNA, os arquétipos. Mãe, Herói, Velho Sábio, são imagens e estruturas que se manifestam em todas as culturas, em todos os mitos, numa repetição infinita. Somos, na verdade, um sonho dos arquétipos. Repetimos histórias e mitologias, mesmo sem perceber. Os arquétipos são os moldes que se repetem em nossa vida como farsa ou como tragédia.
Uma coisa que é arquetípica é a nossa capacidade de contar histórias. Outro dia estava estudando com o meu filho para uma prova de História, matéria que era a minha preferida na escola. Que livro simplesmente horroroso. Um livro de História que não conta histórias. Alinha os fatos, estabelece relações, inclue documentos, tudo isso com um tom assim meio determinista\marxista, mostrando os determinismos econõmicos dos movimentos históricos. Mas a tal autora não contava, em lugar nenhum, a história. Nossos arquétipos históricos. Eu fiquei tagarelando a história que me lembrava, os 18 do Forte e a nossa atual revolta contra as oligarquias e a corrupção. Luís Carlos Prestes, o cavaleiro da Esperança e a entrega de sua esposa grávida, Olga Benário, ao holocausto nazista, uma das páginas mais vergonhosas de nossa história. Ele ouvia aquilo com algum interesse mas logo tínhamos que voltar aos fatos, como um livro descrito com a frieza analítica de um relato jornalístico.
Nas próximas semanas vou incluir nesse blog quase secreto algumas blogstórias, para demonstrar como acabamos repetindo essas cenas de forma inconsciente. Ao contrário do livro, vou contar as histórias. Vou dar um exemplo.
Há algumas semanas eu fiz um paralelo da vida e morte de Steve Jobs com o Mito de Édipo. Édipo quer dizer "Pés Inchados", ou "O Coxo". Vários séculos depois de ter sido escrito, ainda somos assombrados pelo sofrimento do Rei de Tebas. Èdipo representa a nossa condição humana, não porque somos afim de nossa mãe e queremos matar o pai, essa é outra conversa. Èdipo representa a nossa ferida humana fundamental: apesar de tanto domínio da técnica, da vida e da morte, internamente carregamos a Ferida Arquetípica, a sensação de estarmos separados do Todo e da nossa natureza original. Recentemente saiu uma fofoca que Steve Jobs recusou a cirurgia que poderia ter salvado a sua vida e quando correu atráz, era tarde demais. Disse o amigo que fez a fofoca que ele se considerava especial por ser um filho adotivo. Bobagem. Steve Jobs foi sob esse aspecto, um herói trágico, que vence mas acaba sucumbindo à própria ferida. Como Édipo.
Apesar de toda produção e ares de grandeza, temos os pés inchados e as dores da nossa natureza humana. E vivemos algumas coisas para que as cenas se repitam em nossa vida.
Para os poucos e fiéis leitores: essa seção de blog será indicado nas Blogstórias.

Um comentário:

  1. Vou escrever um livro que terá o seguinte título:
    "Você não gostará do que vai encontrar nessas páginas".
    Hahahaha!!
    E ele vai parar na nova sessão de auto conhecimento das livrarias e não na de auto ajuda.

    Tenho impressão de que "somos tomados" pelos arquetipos que estamos vivendo e que por não sabermos muito a respeito, nos sentimos perdidos.E quando sabemos, entendemos que as coisas são bem diferentes do que aprendemos em nossa cultura, educação.
    Assim sendo, sentimos um choque.
    Bem, antes de continuar...vou esperar as Blogstórias...
    Bjsss
    Sonia

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