domingo, 27 de novembro de 2011

Dormir de dia, Acordar de noite

No filme “Tempos Modernos”, Charles Chaplin colocava a sua obra prima, o personagem Carlitos, dentro de uma fábrica, numa linha de produção, onde a sua principal função era apertar uma única porca. Ele precisaria fazê-lo com muita precisão, pois a sua função seria apertar centenas de porcas por minuto. Óbvio que Carlitos vai se embananar no serviço, perdendo algumas peças, indo para frente atrás delas, para depois voltar, até ser engolido pelo mecanismo, na cena clássica em que continua apertando as porcas enquanto é levado pelas engrenagens. Chaplin queria denunciar a escravidão do homem pela máquina e pela produção em série. Uma vez eu ouvi de um cliente engenheiro, que o pensador mais influente do século vinte não foi Charles Darwin, mas Henry Ford, criador da linha de montagem. Como no filme de Carlitos, tudo virou uma gigantesca linha de montagem, com uma elite mexendo nos botões e o resto da galera cumprindo as suas microfunções, sem ter a visão do todo.
De algumas décadas para cá, Carlitos não seria engolido pela máquina, mas pelo computador. Ficaria pedido em algum lugar na Nuvem, o gigantesco espaço virtual onde as informações da Rede são processadas. O homem vem tentando competir com a máquina e agora chegamos numa época em que todos seremos biônicos, com algum chip ou peça mecânica inserida em nosso corpo. Alguns pacientes com depressões intratáveis já tem implantado em seu nervo vago um marcapasso que estimula o seu Cérebro continuamente, para devolver a função a áreas praticamente mortas pelos estressores e as derrotas que sofremos na vida. Uma geração de jovens está seqüestrada na nuvem, vivendo cada vez mais no Virtual e perdendo a dimensão do Real. Na Coréia um casal deixou o seu bebê morrer de inanição porque ficava horas cuidando de seu bichinho virtual. A notícia parece fabricada, de tão surreal, mas está aí debaixo de nosso nariz. Já temos uma porcentagem de jovens que chegam à idade adulta com uma escolaridade lesada em suas origens, jogando jogos na rede durante a madrugada e dormindo durante o dia. Tomam energético à noite e calmantes de dia, para viverem só no mundo em que as coisas obedecem aos seus desejos.
A Psiquiatria dá a sua contribuição para a maluquice, diagnosticando à torto e à direito o Transtorno Bipolar. No ano passado eu trabalhava num caso de um garoto chegando à maioridade que apresentava esse quadro de sequestro virtual. À noite ele fumava maconha com os amigos, jogava vídeo games de última geração e comia porcarias até abrir um buraco em seu estômago. Durante o dia ele dormia e fugia dos berros desesperados de seus pais. Tentamos fazer contato com o seu “planeta”, estabelecer acordos e trazê-lo de volta ao mundo real. Óbvio que a família abortou o processo, levou-o à uma colega que diagnosticou que o menino era um Bipolar, entupindo-o de sedativos. A última notícia que eu tive é que ele agora dormia o dia inteiro e estava cada vez mais alheio e isolado do mundo real, agora com uma Maconha legalizada, que são os psicotrópicos.
Temos uma elite que acompanha o ritmo frenético dos processamentos de informação e vida online vinte e quatro horas por dia e uma camada crescente da população de excluídos não só do mundo digital, mas do Real, mesmo.
Educar os filhos hoje tem uma dupla função: ensinar a aprender as coisas no Real, que é bem mais chato do que abrir tudo com alguns cliques do mouse, e indicar o caminho de viver, onde os erros não são apagados com a tecla DEL.

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