sexta-feira, 15 de outubro de 2010

O (Quase Amargo) Regresso

O assunto da semana no consultório foi o resgate dos trinta e três mineiros da mina de San Jose, no Chile. A vida virou um reality show, e o processo todo de descida ao ventre da terra para trazer os renascidos trabalhadores, o choro do filho e a patriotada brega de bandeiras e gritos futebolísticos de Chi-chi-chi/Le-le-le forneceu a todos uma imagem de esperança no ser humano e sua capacidade de reagir a situações extremas. Hoje já começam a circular os podres dos mineiros e o delicado tecido social que se formou sob a terra, onde, como sempre, o melhor e o pior da natureza humana se manifestam nessas situações.
Uma cliente ficou particularmente tocada pelo episódio, que só ao ser mencionado já mareja os seus olhos. Ela me trouxe um belo artigo publicado na Folha de ontem, de autoria da psicanalista Marion Minerbo, um primor de lucidez e pegada analítica. Entre outras coisas, Marion destacou o duro caminho de volta à vida comum que esses homens experimentarão quando o clima de Big Brother arrefecer e o episódio for caindo no esqueciemnto dos quinze finitos minutos de fama que terão direito.
A cliente em questão também passou nesse ano por um experiência extrema: o diagnóstico e tratamento de uma doença oncológica, um Câncer de Ovário, recidivado após quatro anos. Como os mineiros chilenos, ela ficou sequestrada de sua vida normal, com cirurgia extensa e quimioterapias em seguidos e dolorosos ciclos. Ela compreende muito bem como é difícil o caminho de volta, como é angustiante rever as pessoas que vão solicitá-la da mesma forma, pedir as mesmas coisas, reclamar das mesmas mesquinharias que compõe o nosso dia a dia. Ela não vai ter a imprensa à sua volta destacando o heroísmo das pessoas que passam por essa experiência, assim como a equipe de resgate, a incrível equipe de terapia oncológica, não vai entrar e sair de cápsulas subterrâneas sobre os aplausos e as orações de todos nós. Eles vão continuar lutando pela vida, que foi um dos pontos de emoção profunda no resgate da mina de San Jose. Ela vem voltando para o dia a dia e, como os mineiros, vai sentir falta dos dias de angústia onde lutava pela própria vida. Pois, como destacou o artigo de Marion, as experiências extremas nos colocam diante das coisas que valem (e não valem) a pena nessa vida.

Um comentário:

  1. Ah, há tanto a comentar...mas vou ater-me a algo que observei de minha experiência extrema.Tenho paciência com todos a minha volta, pois eles não sabem o que é uma experiência de alto risco para a vida.
    Entendo que é bom tê-los ali,com seus queixumes, frivolidades, só pelo fato de que estão ali.Observo, sem dar muita importância ao conteúdo superficial (para mim hoje) e vejo as pessoas.Elas estão lá, cada uma em seu mundo particular, interagindo do jeito que sabem e podem.Quando me falta a paciência?
    Observo do mesmo jeito e ouco um bla bla bla bla bla...(hahahahaha!!!)
    Mas elas estão lá.Prefiro assim.
    Pior é quando elas se vão e não ouvimos mais nada.
    Nem sempre ganhamos aplausos, medalhas ou prêmios em dinheiro por suportarmos dores físicas ou emocionais de extrema intensidade.Ao contrário, parece mais fácil ganharmos o preconceito de" termos merecido" tamanha prova de forca da vida.
    Enfim, elas,as pessoas, estão lá, a nossa volta e estamos vivos para escolhermos ficar com o melhor que elas tem a oferecer.

    Abracos,
    Sonia

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