sábado, 23 de outubro de 2010

Perto do Coração de Fogo

Tem uma passagem de um filme que adoro, "Melhor é Impossível" (mais um título bobo em Português, para um título em Inglês que seria "O melhor que fica", ou um slogan invertido do Tiririca, "Melhor que está não fica"), quando a personagem de Helen Hunt está dando uns amassos num cara, de repente ouve o seu filho doente chamando, vai acudí-lo, ele está passando mal e vomita. Quando ela volta para o rapaz, para continuar o que tinham parado, ele se suja de vômito. Ela limpa a sua manga, sem graça, o clima se desfaz, a transa para, o rapaz vai embora dizendo: "Too much reality", ou "realidade demais para mim". Lembro dessa cena quando ouvi um amigo me contando de um encontro agendado pela internet, através desses sites de encontros. Depois de alguns minutos de conversa agradável, a moça revela que aquele encontro era o primeiro depois de um longo tempo, após um longo e doloroso tratamento de uma doença grave que lhe custou os cabelos. Acabou o relato mostrando a pele sob a peruca. Quando ele passou a evitá-la, percebeu frases e twittadas relatando a decepção que os homens sempre acabam sendo. Melhor continuar sozinha, ela concluía. Ele acabou de contar, constrangido mas não culpado, como era desconcertante receber uma carga daquelas no primeiro encontro, sem ter chegado ao terceiro chopp. Too much reality. Qual a moral da história? Os homens são seres fantasticamente egoístas, que não são capazes de aguentar meia hora de sereno, recuando diante de uma criança doente ou de uma mulher que sobreviveu corajosamente a uma doença grave? Ou será que existe nesse "causos" uma trapaça que acaba caracterizando as obsessões amorosas? Se os relacionamentos são como um processo orgânico, uma pequena planta a ser cultivada, nada melhor do que um pisão atabalhoado para destruí-la. Qual o pisão dado pelos obsessivos amorosos? Despejar logo no início da relação, logo no começo da dança sutil de interesses e sedução um caminhão, uma betoneira de expectativas. Olha só, estou saindo pela primeira vez após dois anos de sofrimento e solidão, estou dividindo o meu segredo com você, se você me abandonar será o mais cruel e covarde dos homens, não vai conseguir sequer olhar para o seus olhos culpados no espelho. Quando o cara vai embora, seja porque está assustado seja porque percebeu a pegadinha e não vai morder a isca, as mensagens reiteram o imprinting maldito: "Os homens me decepcionam". Um dos aforismas do Tao te King lembra que se você se decepcionou é porque havia um Ego orgulhoso que se decepcionasse. Eu sei que a pessoa assolada pela obsessão amorosa não consegue conter o coração queimando de ansiedade para finalmente poder entregar todo o amor, todo o desejo represado por meses, anos. Mas esse discurso: "Estou só a tantos anos e você pode me resgatar, Príncipe do Cavalo Branco" faz os machos da espécie voarem para a rua ultrapassando rapidamente na corrida o carro de Rubens Barrichelo. Há um aforisma da Psicologia da Gestalt: "Eu não vim ao mundo para corresponder às suas expectativas. Você não veio ao mundo para corresponder às minhas", que deveria ser a verdadeiras jura de casamento, antes do pedaço da alegria e tristeza, saúde e doença,até que a morte (ou as expectativas) os separem.

2 comentários:

  1. Mais uma vez,
    muito... muito bom
    Não sei se é pena,
    Mas a vida é como ela é
    ou seja,
    demoramos muito pra enxergarmos as coisas desta maneira...

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