quarta-feira, 24 de novembro de 2010

A Barreira de Silêncio

A Mitologia Grega tem vários temas muito caros aos terapeutas, desde o mais famoso, o de Édipo, secundado pelo de Narciso. Vários personagens da mesma emprestam o nome para síndromes e doenças. Um mito que me deixa um tanto quanto desconfortável é o de Tântalo, cozinheiro dos deuses do Olimpo. Tântalo, como muitos mortais, cobiçava o poder e a glória de atingir o panteão dos deuses e tentou fazê-lo de mais sórdida maneira que a Mitologia ousou contar: ele matou o próprio filho, cortou-o em pedaços e o serviu no banquete, almejando com isso ser elevado à condição de semi-deus pela participação na carne de sua própria carne. Os Deuses perceberam enojados o ardil e não comeram daquela comida, com uma exceção, se não me engano de Héstia, que era muito distraída e ensimesmada. Tântalo foi condenado a uma eternidade de fome e sede, no calor dos infernos, ao lado de uma árvore frutífera repleta de frutos e ao alcance de suas mãos, mas toda hora em que ele estica a mão para fartar a sua fome e sede, a árvore se movimenta, longe de seu alcance.
Eu me lembrei desse mito terrível para falar do sentimento de uma pessoa em pleno quadro de obsessão amorosa na época da Internet e das Redes Sociais. De todas as ilusões que nos castigam nesses tempos bicudos e apressados, a ilusão de que o Outro está ao alcance da mão nos colocam sempre na posição de Tântalo, sobretudo no caso dos Obsessivos Amorosos.
Já dissemos em outros posts que para o homem pós moderno, o silêncio virou uma barreira profunda, insondável para evitar o que mais teme, o vínculo. Circula entre a molecada uma camiseta com a imagem de um noivo e uma noiva com o sigelo título : Game Over. Em Fortaleza encontrei uma variante nordestina da camiseta, com o título mais simpático de "Lascou-se". Casamento significa estar fora do jogo, ser solteiro é estar dentro do jogo de colecionar mais um e outro caso, para não usar outro termo. Uma técnica para manter o jogo é sumir ou impor o silêncio. A mulher fica congelada dentro do silêncio, tentando interpretar cada sinal de fumaça, cada foto na rede social, cada pequena notícia do ser desejado que indique que ele vai voltar, vai romper o silêncio e o final feliz dos contos de fada vai se cumprir, com algum atraso. Como na árvore de Tântalo, o desejo arde e parece ao alcance da mão, ou ao alcance de um click. Mas é o silêncio que está por lá, sempre com alguns disfarces de "estou na correria", "já ia te ligar" ou um "que bom que você está aqui".
Tântalo, na sua ânsia de lograr os deuses para virar um semi-deus de forma ilegítima me lembra da nossa condição humana de fugir da própria dor, do sentimento de falta e abandono que nos acompanha. Acho que ele não sabe que, se parar de estender a mão em desespero, talvez o fruto caia em suas mãos, naturalmente. Mas há sempre aquela esperança de que, se eu usar a técnica da mão trocada, ou aparecer por acaso, ou tiver mais paciência, dessa vez, a árvore não vai se afastar.

3 comentários:

  1. As pessoas se escondem no silêncio e não imaginam o quão bonita é a arte da comunicação, o saber se expressar. Às vezes, uma palavra pode mudar uma situação julgada perdida ...

    Rute

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