sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Caminho

Vou começar esse post sem saber se vou mandá-lo ao blog. Vou pensar alto sobre um filme que eu assisti meio sem saber o que esperar, desses que se perdem nas prateleiras ou atingem um público específico. O filme é espanhol e chama-se "Camino", com o título sempre oportuno em Português de "Caminho de Luz", que dá um tom algo espírita para um filme ao mesmo tempo católico e anticatólico, ou anticlerical, no mínimo. É incrível como o diretor e o roteirista conseguiram manter esse olhar imparcial para uma história que traz uma mensagem profundamente espiritual ao mesmo tempo que lança um olhar implacável ao moralismo dos fiéis e padres retratados. Estou pensando alto e o leitor que não assistiu o filme não vai entender.
Camino é uma menina de onze anos, às portas da adolescência. Em diálogo hilário, a sua colega conta que está indo ao psicoterapeuta. Mas o que você tem? - pergunta Camino. "Tenho Pré Adolescência, mas quem sofre com essa doença é a minha mãe". Camino, como a sua amiguinha desbocada, sente as mudanças desse período, sob o olhar de sua mãe, retratada como uma carola intrusiva, empurrando livros de santos e de fé cristâ. Ela está se apaixonando por um colega de escola, chamado Jesus, apelidado Cuco. A sua irmã já está numa escola Opus Dei e seu pai, um personagem muito impressionante, fica amassado entre o amor que sente por essas mulheres e o sentimento de ser um estranho no ninho no meio de sua mulher, cunhada e filha falando de Jesus e santidade. Logo Camino começa a sentir os sintomas de dores no pescoço, que se revelam uma fratura de vértebra, depois surge um tumor agressivo, os esforços inúteis dos médicos até a morte da menina, como numa Via Crucis moderna. Sabemos ao final que a menina chamava-se Alexia e morreu em 1985. Está em processo de beatificação e a ela o filme é dedicado. No momento de sua passagem, um forte odor de rosas encheu o quarto. A equipe hospitalar emocionada, aplaudiu sua morte, como se percebesse a grandeza da passagem e da garota.
Ao contrário do que parece não recomendo o filme, não. Assistí-lo é uma experiência de angústia e impotência. O tempo todo esperamos que a menina fique boa, namore o moleque e mande às favas aquela cascata de terços. A mãe da menina, então, não sabemos se é uma mulher além do limite da santidade ou uma obsessiva grave, levando inconscientemente os filhos para morte, simplesmente pela vaidade do martírio.
O fato é que nessa época de livros de Autoajuda e busca permanente de satisfação imediata, de fantasias onipotentes de nossa tecnologia, Camino mostra o paradoxo, o mistério, as coisas que, mesmo desejando ardentemente, nos são negadas pela vida. Procuramos pelo final feliz, como já postei em outro texto. Não sabemos, entretanto, que o final feliz é um Mistério.

Um comentário:

  1. Pela sua narrativa, a impressão que tenho é que Camiño, apesar da sua pouca idade, é a única que realmente viveu os anos que esteve aqui. Neste caso, uma criança tão nova, conseguiu ter um aprendizado que às vezes demoramos a vida toda para adquirir. Pelos seus comentários, o filme parece fazer uma crítica às obsessões humanas na busca da “santificação” quando na realidade devemos procurar a iluminação. Se pensarmos que nossa existência é única, então o pouco tempo de vida dessa menina valeu por anos de aprendizado, mas se pensarmos na pluraridade de existências, este espírito nos remete à reflexão de que somos espíritos no caminho para o progresso.

    - Marcia

    ResponderExcluir