domingo, 14 de novembro de 2010

Perto de um Final Feliz

Estava lembrando de um filme antigo durante uma sessão. O filme é "O Fio da Navalha", com Bill Murray, acho que do final dos anos 70, começo dos 80, baseado no livro de Somerseth Maughan (não sei se a grafia está correta). O livro é sobre uma jornada espiritual de um homem, criado em meio à aristocracia inglesa que vai para a Índia, trabalha em condições de extrema pobreza enquanto lê os Upanishads, espécie de Bíblia hinduísta. Duas cenas desse filme me ficaram, embora já tenha visto há anos: numa delas, um homem simples e com traços claramente hindús tenta explicar para o personagem inglês como ele vivencia a sua relação com Deus. Ele está lavando pratos em um bote e ilustra que para ele, lavar aqueles pratos é como falar com a própria divindade. Em outra cena, ele volta para a Inglaterra do começo do século passado e se apaixona por uma antiga conhecida, que também passara por poucas e boas. Essa moça perdera o marido e filho em acidente e virou uma prostituta, tentava reiniciar a sua vida através desse amor reencontrado. Ela acaba assassinada por alguém de seu passado, no auge de sua felicidade. O personagem principal, crispado pela perda mas com uma profunda serenidade, afirma antes de partir que, depois de tudo o que passara e virado o mundo de ponta cabeça, pensou que aquele amor era uma recompensa. Agora ele sabia que não havia recompensa. E seguiu am frente, liberto do amanhã.
Essas cenas vieram ao caso por conta de uma vivência dolorosa de uma pessoa, que, depois de anos atribulados, finalmente encontrou um amor que parecia vivo, finalmente tudo o que esperava, imaginou e lutou tomava forma nesse amor que, depois de um período de explosão e outro de dúvida, acabou por desmanchar-se no ar, com muita dor, é claro. Não é difícil de pensar o quanto somos assombrados pelo Futuro, tanto ou mais do que o Passado. Sempre somos acalentados pela esperança de que vamos encontrar a recompensa, seja ela representada por um Príncipe Encantado ou pelo Reconhecimento ou Sucesso. Sempre esperamos que o Amanhã será pleno. Será que isso está errado? Certamente que não. Pobre de quem não tem planos, ou esperança. Mas as cenas de "O Fio da Navalha" me oferecem uma visão alternativa. Na primeira cena, o sábio hindú sente a Presença de Deus nos pratos que está lavando. Nossas máquinas de lavar pratos nos impedem de um encontro místico? Acho que não. A nossa mente presa ao futuro, sim. Lavar os pratos como um encontro profundo é estar em estado de Presença, no estado de Aqui Agora tão difícil para a nossa mente tagarela. Mais difícil ainda é entender as linhas tortas que a vida usa para escrever o nosso destino. O personagem de Maughan segue em frente, repetindo para si mesmo que esperar por uma recompensa é uma forma de prisão, uma forma de nos mantermos fixados em apenas um objetivo possível. Como no caso desse personagem, esta pessoa a quem me refiro seguiu em frente, sem ficar presa ao medo de novas decepções, ou lamentando que "as coisas não dão certo para mim". Ela segue porque a vida é feita do momento presente e da fruição do tempo.

2 comentários:

  1. Eu li o livro anos atrás. Creio que nos faz refletir sobre o Divino e o Humano, o passado, presente e futuro... Em que lugar nos encontramos? Parece fácil responder, porém até onde vai o divino e até onde vem o humano? Nós vivemos realmente o presente ou estamos presos no passado ou somos escravos do futuro?

    Creio que não temos como separar o divino do humano, nem o universo do grão de areia, nem o ontem do amanhã. Nossas escolhas de ontem, nos conduziram ao hoje, mas o amanhã poderá ser diferente dependendo do nosso entendimento hoje. No caso do personagem, será que por obra do divino, não era o momento do casal viver aquele relacionamento? Qual o aprendizado que devemos ter destas situações de vida? Será que a recompensa será neste mundo e não em outro plano de nossa existência?

    O humano nos faz buscar conquistas concretas e muitas vezes “palpáveis”, mas será este o sentido da vida? Comentando um outro post do blog, qual seria o aprendizado de Gandhi, Chico Xavier, Madre Tereza, Francisco de Assis e outros tantos exemplos da humanidade? Eu estou longe de ser Madre Tereza, mas somente em pensar que todos eles vivenciaram tantas experiências dolorosas, num trabalho incansável de auxílio ao próximo, o que significaria algum problema que estou vivendo hoje? Um grão de areia no infinito...

    Temos tanto a aprender, só precisamos deixar o divino, o universo, as energias, enfim, seja qual for a definição que cada um tem, se manifestar em nós e nos conduzir ao longo da vida “semeando e colhendo”, num esforço de aprendizado constante, pois a vida sempre nos dá coisas boas, mas infelizmente nem sempre percebemos isso ou não damos seu devido valor.

    Marcia

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  2. onde o fim da tarde é lilás

    Petrônio

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