terça-feira, 2 de novembro de 2010

I Miss the Drama

Uma coisa que é um tanto tradicional nas mesas e convescotes de um Congresso de Psiquiatria (isto deve acontecer nos outros também) é aquela ar blasé de todos os colegas sempre dizendo que foi tudo uma porcaria. Uma coisa do tipo: eu já sabia de tudo, não me trouxe nenhuma novidade. Bem, queridos colegas, depois que inventaram a Internet, não há como termos grandes revelações e lançamentos nos Congressos. Não é o Salão do Automóvel, onde lançamos remédios ou tratamentos de última geração. O chique mesmo é achar tudo uma bosta. Eu prefiro caçar coisas boas. Como sou um psiquiatra generalista, que trata de adolescentes até queridos velhinhos, acabo me interessando por um monte de assuntos diferentes, enquanto os colegas vão lá, apresentam o seu trabalho, atualizam as fofocas e vão para a praia.
Uma apresentação emocionante foi de um colega do Sul, Flávio Kechanski (espero que a grafia esteja correta) que fez uma apresentação do tipo "Como Eu Trato", no caso, como ele trata o usuário de Crack. A novidade foi a platéia, de quase 700 pessoas. Isto significa que, após décadas, o crack está chegando à classe média e aos consultórios, daí o grande interesse. Nesta apresentação havia duas novidades, pelo menos para mim. Todo mundo sabe, uma dificuldade que todo dependente químico tem é a hora da retirada da substância. No caso da cocaína, o day after é particularmente difícil, com a sensação do Crash (o som da palavra em Inglês já mostra o barulho das coisas desabando). Flávio mostrou um trabalho com resultados robustos de uma terapia de troca por medicamento estimulantes, como os usados para Sonolência Diurna. Na hora do Crash, ou da Fissura, esses medicamentos estimulantes diminuem os sintomas de retirada e dão mais gás para o paciente passar por esse vale da sombras. Isso tem implicações importantes. Uma coisa que a maioria dos dependentes, os dependentes de relacionamentos inclusive, é a sensação pervasiva de vazio, de falta de sentido que favorece a fissura, a busca incessante de algo que traga a sensação de se estar centrado, ou de que as coisas fazem algum sentido. Isso é uma coisa que nos constitue como humanos. A sensação maior ou menor de vazio, de ânsia, de busca por algo que nos aplaque, que nos traga sentido. No caso dos dependentes, essa ânsia está no miolo de todas as dificuldades de tratamento e recuperação. A sensação de que a Realidade é de um vazio opressivo que necessita de escape, de dissociação para que a dor não aumente demais. Achar um medicamento que diminua essa sensação abre muitas possibilidades de ajuda. Outro trabalho com dependentes de cocaína mostrava o Cérebro de um Dependente quando se falava no uso da substância. As áreas do Cérebro relacionadas aos pensamentos e aos desejos se acendiam como uma árvore de Natal. Como uma criança esperando pela festa,ou na fila da Montanha Russa. Foi como enxergar dentro do Cérebro os circuitos da fisssura, o que se acende quando desejamos desesperadamente algo. Muito viemos escrevendo sobre as Obsessões Amorosas neste blog, sobre os pensamentos circulares e as compulsões de busca do objeto desse amor. Será a dependência amorosa um tipo de cocaína? Ou pior: será que a compulsão de Busca\Frustração\Luto não é uma repetição compulsiva que busca a repetição da dor? No filme "O Casamento de Rachel", a história gira em torno da irmã dependente química que sai da internação para passar o final de semana no casamento de sua irmã, Rachel. Além de toda roupa suja que vai ser lavada nessa família, há uma cena em que Kimi, a irmã problema, vai até uma reunião de AA, e um dos caras fala que sente falta de uma coisa das bebedeiras: o drama. "Sinto falta do drama", dizia, das emoções que vem à tona nas bebedeiras, nos vômitos de ódio e rancor que sempre aparecem, além de dor e arrependimento depois. Será que uma das coisas que alimentam o ciclo de frustração e compulsão amorosa não é o Drama, não é chance de sofrer muito, chorar muito e sentir acolhimento (ou endorfinas) após a decepção?
Como o leitor pode ver, sempre tem coisas muito boas a se pescar em um Congresso.

Um comentário:

  1. Eu fico especialmente orgulhosa de você ser meu mentor, terapeuta, psiquiatra, guru, médico ou sei lá o quê... o nome pouco importa, costumo dizer que as pessoas, as inteligentes, são mais importantes que seus nomes.

    Fico feliz por você ser uma pessoa extremente inteligente, sensível que realmente está inteiro lá naquela salinha pra conversar. Fico feliz de poder ter a chance de pensar junto, caro Marcos.

    Seu blog é ótimo.

    Abs Marina

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