sábado, 27 de novembro de 2010

Sistemas de Aprendizagem (Amorosa)

Tem alguns livros que você encontra onde uma peça de um grande quebra cabeça finalmente se encaixa e algo se clareia. "O Cérebro Quântico", de J. Saltinover teve esse efeito para mim. Uma das pequenas e saborosas histórias que ele usa para ilustrar o aprendizado vem da vida de um grande físico, Richard Feyiman, que deu um livro de Astronomia de nível universitário para a sua irmã, na época no colégio. Ela gostou, mas fora criada numa família onde se acreditava que as meninas não tinham a mesma capacidade dos meninos em dominar disciplinas lógico-matemáticas. Uma variante sutil do "lugar de mulher é na cozinha". Como eu conseguiria ler esse livro? - perguntou. A resposta do irmão mudou a sua vida. Ele a aconselhou a ler o livro com atenção até a parte em que ficasse totalmente perdida. Desse ponto era só voltar e procurar o ponto onde estava parada, até conseguir superá-lo. Devia fazer isso tantas vezes quanto necessário, até dominar o livro. Alguns anos depois, a sua irmã terminava o doutorado em Fisica, contrariando as crenças familiares.
Acho essa pequena história mágica sob vários recortes diferentes. O primeiro, mais óbvio, é como alguém consegue, às custas de aprendizado, se afastar desses sistemas de crença que família, grupo social ou consciência coletiva dizem ser a verdade absoluta e, hoje em dia, "científica". As psicoterapias trabalham, em diferentes registros, com esses sistemas de crença e como modificá-los, mas não vai ser o tema desse post. A parte que me interessa é como ele descreve à perfeição os sistemas de aprendizagem. Repetição, repetição, tentativa, erro, retomada, revisão. Nossa pedagogia passou décadas abominando essa repetição, priorizando a capacidade de raciocínio e pesquisa. A má notícia é que o aprendizado continua precisando de repetição e exposição ao erro. Décadas de cultivo à Autoestima também vem criando gerações e gerações de pessoas com uma evitação quase fóbica ao erro. Errar compromete a minha autoestima. Portanto, isso é uma evitação à aprendizagem. O que isso tem a ver com a aprendizagem amorosa? Tudo a ver. As nossas meninas são educadas pelos desenhos e Barbies a serem boas meninas que o príncipe aparecerá para levá-la em seu cavalo branco, ou em sua Ferrari vermelha. Quando esse conto começa a se chocar com os muros da realidade e dos príncipes meia boca, nossas candidatas à princesa ficam perdidas no país das Maravilhas. Os sistemas de crença não resistem aos sites de encontro e aos amores expressos. Mas o aprendizado é mais difícil para quem persevera no conto de fadas. Se eu fizer tudo direito, vai dar tudo certo. Não é assim que funciona. Para criar sistemas de aprendizagem é preciso coragem, teimosia, repetição, tolerância à frustração. Conhecer pessoas, acreditar, desacreditar. Tentar de novo. Não adiante beijar o sapo em diversos ângulos, ele não vai mudar a sua pele gosmenta. É preciso repetir, aprender sobre si e sobre o outro, perder o medo do erro e do pior, a rejeição, real ou imaginária. Esse é um jeito de criar sistemas de aprendizagem, onde o erro faz parte, como na própria vida.

3 comentários:

  1. E quando a gente cansa de errar ? É assunto para uma boa conversa.

    Rute

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  2. "...conhecer pessoas, acreditar, desacreditar..."
    Tentar. Mais do que isso, ganhar experiência conhecendo pessoas, observando o que estão dispostas a oferecer, o quanto querem se envolver, antes que qualquer ilusão se instale a respeito do que esperar delas.
    Melhor, não esperar nada de ninguém já é um aprendizado e tanto!!!
    "Aprender sobre si e sobre o outro...".Se jogar no aprendizado e não na espera de um resultado.Uma questão de respeito para ambos.
    Só pode acertar quem arrisca e portanto o erro que tanto nos assusta, se visto como parte do processo,sem drama,só como questão de aprendizagem,perde a conotacão pesada que tanto fere e acaba por fazer-nos desistir de tentar, de experimentar, de viver...
    Dr.Spinelli, ABSOLUTAMENTE SENSACIONAL este post!!!!!

    Abracos,
    Sonia

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  3. Recém concluí um curso sobre avaliação, onde aprendi que o erro deve ser repudiado como critério, pois focar nele sabota a aprendizagem, já que ninguém aprende sem errar. Essa é justamente a lição deste valioso post compartilhado generosamente. Agradeço o reforço

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