sábado, 13 de agosto de 2011

A Origem: Epílogo

Estava mais alegre que o normal naquela manhã, sem saber que aquele poderia ser o seu último encontro.
- Bom dia, flor do dia!
- Oi, bonitinha.
- Adivinha?
- O que?
- Consegui acabar de ver o filme. E tem mais.
- Mais, ainda?
- Mais... Já tenho um tema para o meu trabalho. Ele vai se chamar "Ariadne, a Senhora do Labirinto".
Silêncio.
- Curtiu?
- Curti.
- O que você acha?
- Você vai se basear nas nossas conversas?
- Claro que vou. Mas preciso de uma coisa.
- Do que?
- Preciso de seu nome completo para te fazer um agradecimento e te citar como fonte.
Sorriu com um pouco de tristeza.
- Eu prefiro continuar sendo a Tata. Eu gostaria só de um favor.
- Qual?
- Quero que você me conte por que me deu esse apelido.
- Você quer a história toda?
- Quero.
- O meu pai é diretor dessa clínica. Já sabíamos disso, certo?
- Sim.
- A minha mãe não era muito feliz com ele. Digamos que ele não seja chato apenas com vocês. Ele é um chato full time. Do mesmo jeito que não deixa vocês terem as suas samambaias, também vivia controlando tudo em casa, inclusive a minha mãe. Eu era a primeira filha, ele mal permitia que a minha mãe me trocasse. Vivia dando palpites em tudo. Acho que foi nessa época que ela teve a sua primeira depressão. Foi aí que apareceu a Tata, eu acho. Ela cuidou de mim e de minha mãe. Ela ficou com a gente por muitos anos e era uma mulher tão impressionante que nem o meu pai conseguia estragar a nossa relação.
- E onde anda essa Tata?
- Não sei. Acho que ela era do Sul, quando viu que estávamos bem, que já conseguíamos, eu e minha mãe, enfrentar a barra, foi cuidar de sua vida. Quando ela foi embora, chorei uma semana sem parar... Eu chamei você de Tata porque ela vivia ralhando comigo, como você faz. Ela também me contava histórias, que eu lembro até hoje.
- Foi por isso que você foi fazer Psicologia?
- Eu nem sei por que fui fazer Psicologia. Todo mundo diz que é um curso para esperar marido. Mas sabe que, pensando bem...Tata pode ter tido uma grande influência, mesmo. Sabe do que eu gosto, mesmo?
- O que?
- Eu gosto do papel do psicoterapeuta de colecionador de histórias. Tinha uma história que a Tata me contava, do colecionador de sonhos. Era a história de um homem que passava no final do dia, recolhendo todos os sonhos não realizados, todos os planos, os projetos que tinham dado em nada. Ele limpava esses sonhos, enxugava as lágrimas e no dia seguinte levava-os de volta para as casas, para deixá-los nas portas das pessoas de novo, novinhos em folha. As pessoas teriam mais uma chance de recomeçarem a buscar os seus sonhos. Eu amava essa história! Acho que foi ela que me fez querer ouvir as histórias das pessoas. Lá na clínica eu atendi uma senhora, que eu também queria chamar de Tata, ela me contava as suas histórias, a de seus filhos, dos seus pais e parentes, era muito legal. Acho que é isso que eu queria virar, uma recolhedora de histórias.
- (Suspiro) Gostei muito dessa imagem que você fez.
- Você foi uma terapeuta, não foi?
- Eu fui muita coisa nessa vida, meu bem. Muita coisa.
- Você não gosta de contar as suas histórias, não é?
- Eu posso contar as minhas histórias, sim. Mas nesse lugar as pessoas ficam encharcadas do próprio passado. E o Passado pode ser uma prisão, meu bem. Eu prefiro estar em contato com o fluxo, com as emoções e as coisas do aqui\agora. Você veio aqui, nós falamos sobre um monte de coisas, amanhã você vai embora, as coisas prosseguem em seu fluxo, sempre com novas possibilidades. Mesmo aqui, numa casa de repouso, ainda temos possibilidades, sabia?
- Quem falou que eu vou embora?
- Você vai embora virar uma ótima terapeuta, meu bem. Isso vai levar alguns anos. Um dia você pode voltar e trabalhar nessa clínica, mas agora você segue.
- (Enxugou uma lágrima no canto do olho) Mas eu posso te visitar de vez em quando?
- Claro que pode. Claro que pode...
Colocou sem perceber sua cabeça em seu colo. Tentava controlar as lágrimas, sem muito sucesso. Foi preciso alguns minutos para conseguir falar:
- Você bem que poderia ser a minha Tata.
- E quem falou que eu não sou a sua Tata?

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