domingo, 21 de agosto de 2011

Penélope

Hoje em dia os consultórios estão abarrotados de pessoas que vão chorar e trabalhar as questões amorosas. Se o leitor(a) acha que é uma queixa de mulheres, está enganado(a). A busca do encontro amoroso virou o Santo Graal da realização pessoal. A sensação de solidão\despersonalização de nossa vida moderna dá à relação à dois, ou à ausência dela, um peso colossal.
Os livros de autoajuda se multiplicam sobre o assunto. Todos enfatizam a busca, o que torna as pessoas, e aí eu tenho que reconhecer, o sexo feminino mais frequentemente, na tarefa de buscar, buscar, buscar na selva de sites de encontro e redes sociais alguém que encaixe (tem até um site de encontros que se chama match.com, que é uma palavra em inglês para algo que se encaixa). Poucos gurus e terapeutas frizam (e se o fazem não conseguem o sucesso desejado) a necessidade de um encontro com o silêncio ou com esses períodos de solidão para poder encontrar o "perfect match". Ouvi essa frase de uma terapeuta, há muito tempo, que a atribuiu a Jung: " Você só consegue mudar o que aceita"; ou uma variante dessa frase, que essa eu tenho mais certeza da autoria, que é "Você se transforma em tudo aquilo que combate". Essa é quase uma equação matemática, de tão precisa. Diariamente eu posso constatá-la. Quanto mais medo e mais se combate a solidão, mais ela se aprofunda. Devemos então nos acomodarmos à solidão e entendê-la como inevitável em nossa época? A bem da verdade não devemos nos acostumar com nada que nos cause sofrimento ou desconforto. Todo mundo que sente em seu íntimo que a sua vida vai ficar completa apenas se encontrar o Outro significante, e esse Outro significante desejado vem de uma relação a dois, quem sou eu ou qualquer outra pessoa para dizer que está errado?
Nesses últimos posts eu tenho falado muito da figura mitológica de Ariadne, a filha do rei Minos que ajuda a por fim ao reinado de tirania de seu pai, ajudando o herói Teseu a entrar e sair do Labirinto do Minotauro, matando o monstro que oprimia o povo de Atenas. Vou inclusive fazer um contraponto entre Ariadne e sua irmã, Fedra, mas isso no próximo post. A figura que me veio hoje aqui na cama onde estou teclando é a de Penélope, esposa de Ulisses. Na Odisséia, Homero inaugura as epopéias heróicas com a história da guerra de Tróia, na "Ilíada" e a volta da guerra de Ulisses, perdidos noa mares de Poseidon por vinte anos, na "Odisséia". Pois na Odisséia temos uma personagem extraordinária e meia deixada como coadjuvante por Homero, que é Penélope. Penélope era a esposa de Ulisses, que criou o seu filho sozinha e esperou todos esses anos pela volta do marido, dado como morto. Como era uma mulher muito bela e rainha de Ítaca, Penélope tinha a obrigação de escolher um novo marido para cuidar de seu reino. Vieram pretendentes de todo o Oriente buscando o amor e o dote da rainha. Para enrolar a galera, Penélope prometeu que quando acabasse uma fina tapeçaria que estava fazendo, escolheria o seu novo marido. Astuta como Ulisses, Penélope tecia a peça durante o dia e a desmanchava durante a noite, pois nunca perdeu a esperança na volta de seu amado. Acho que era nela que Chico Buarque pensava quando compôs "Mulheres de Atenas", mesmo que Penélope não fosse de Atenas.
A busca do ser amado de nossa época pode parecer com a espera e a paciência infinita de Penélope, que não abre mão da imagem interna que tem de seu amado e não faz por menos. O seu homem era Ulisses, ou Odisseu, que aliás dizimou a concorrência quando finalmente voltou para casa. Talvez a verdadeira figura heróica da "Odisséia" seja a maravilhosa Penélope e seu tear. Em vez de virar o mundo de pontacabeça, Penélope represente a virtude da paciência e da tecelagem fina de nosso destino.
Penélope tem, acima de tudo, um desejo inquebrantável de encontrar com o que manda a sua alma, mesmo que contra tudo e contra todo o pensamento do senso comum. Penélope não é razoável nem racional. E vai tecer a sua tapeçaria enquanto espera pelo seu amor verdadeiro. Custe o que custar.

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