sexta-feira, 19 de agosto de 2011

A Senhora do Labirinto 2

Estávamos falando de Minos, o chifrudo, que mandou construir um labirinto para encobrir a traição de sua mulher. Lá, ele prendeu a criatura monstruosa, o Minotauro (o original, não o lutador de UFC). Para manter o monstro, o rei de Creta colocava no labirinto jovens que lá ficavam perdidos e eram devorados todos os anos pela besta. Esse é o custo de nossas neuroses: elas fabricam nossos monstros e devoram nossos potenciais.
Um jovem príncipe, Teseu, filho de outro rei, Egeu, resolveu dar fim àquela situação. Pegou a sua clava, ganha em batalha contra outro bandido e figura monstruosa e foi para a ilha de Creta para a sua jornada heróica. Teseu teve a ajuda de uma filha do rei, Ariadne, uma virgem que se apaixonou pelo herói. Ariadne protegeu o valente, ajudando a enganar o seu pai e colocar Teseu e sua clava dentro do labirinto, onde ele finalmente domou e esmagou o Minotauro. A questão era como sair de lá. Como o cheque especial, entrar no labirinto era fácil, sair, nem tanto. Ariadne, sábia em sua juventude, deu a Teseu um novelo de lã bem resistente. Amarrou o novelo na entrada do labirinto e Teseu foi desenovelando esse carretel até o ponto de encontro com o monstro. Para voltar, foi só enrolá-lo de novo.
O fio de Ariadne representa a vitória da astúcia, do pensamento humano sobre a bestialidade. Uma idéia tão simples que resolveu um problema que parecia impossível de ser elaborado. Essa é a mágica de nossa consciência: descobrir a saída simples que está debaixo de nosso nariz. E não vemos.
No filme "A Origem" o Teseu é o líder do grupo, Cobb. Ariadne não vai apenas ajudá-lo a entrar e sair do labirinto do seu próprio Inconsciente, ela vai ser a própria construtora do labirinto. Como a Ariadne da Mitologia, ela é uma menina, sábia, que penetra naquele mundo com a tranquilidade de quem parecia ter sempre vivido por lá. A Ariadne do filme não ensina Cobb a sair do labirinto, mas a entrar cada vez mais fundo nele, até encontrar o ponto onde tudo estava preso. É como se o seu novelo de lã estivesse enroscado em algum lugar que Teseu\Cobb precisava encontrar. O amor da menina ajudou o herói a confrontar a sua Sombra: por seu desejo infinito de poder, Cobb tinha plantado uma idéia dentro das redes neurais de sua esposa. Essa idéia foi crescendo, crescendo, como um parasita, e acabou provocando o seu suicídio. Cobb é um herói decaído procurando por sua redenção. Ariadne representa o seu melhor lado, representa o amor que pode redimir as nossas culpas, abrir os caminhos fechados de nosso Inconsciente. Ariadne, do filme e da Mitologia, são boas terapeutas, mostrando o caminho que deve ser trilhado, os atalhos para chegar no miolo de nossos labirintos.
Vivemos numa época que tudo nos convida à superfície. Para que empreender uma jornada às nossas profundezas, se os livros de autoajuda nos prometem o sucesso com algumas fórmulas rápidas e definitivas? Para que enfrentar os nossos monstros, se o programador neurolinguístico promete consertar os nossas softwares mentais defeituosos?
Para um terapeuta junguiano, como eu, a nossa vida tem muitas metáforas arquetípicas, uma delas é que estamos aqui numa jornada interior e exterior, procurando por verdade e consciência. Podemos descer aos infernos ou subir aos céus, estamos na mesma jornada. Ariadne representa o bom senso, a modéstia, a justa medida que nos protegem da perdição, de ficarmos presos dentro do labirinto de nossos medos e covardias. Esse talvez seja um dos motivos de eu ter gostado tanto desse filme.
A psicoterapia profunda passa anos na tecelagem pacienciosa dos fios que vão nos levar a trazer de volta do labirinto de nossas dúvidas. Ariadne é a mão sábia que nos ajuda a tecer. E nunca paramos de tecer.

Um comentário:

  1. Parece que a sua palestra - belissíma - já está quase pronta!!!

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