quarta-feira, 3 de agosto de 2011

A Origem 3 - O Fio de Ariadne

- E aí?
- Aí o que?
- Assitiu o filme?
- Quase inteiro.
Risos.
- Eu sei. Eu sei.
- É isso que você diz em sua defesa?
- Fiquei até de madrugada fazendo um trabalho.
- Sobre o que?
- Sobre terapeutas como facilitadores do processo, o terapeuta é alguém capaz de ser uma enzima que cataliza o ganho de consciência...
Notou que a velha senhora olhava com ar divertido.
- O que foi?
- Não sei se gosto dessa história de terapeuta-enzima, meu bem.
- E Vossa Excelência prefere o que?
- Vamos voltar ao filme?
- Não vai responder à pergunta?
- Vamos voltar ao filme, que eu respondo. Fique fria. Eu respondo.
Olhou com ar divertido.
- Voltando ao filme.
- Ok.
- Onde está o terapeuta no filme?
Mordeu os lábios.
- Você entendeu a pergunta?
- Acho que não sou tão burra assim. O filme é sobre pessoas que entram nos sonhos alheios para obter informações.
- Na prática clínica, os sonhos são daquele jeito?
- (Fez careta) São?
- Claro que não. Aqueles sonhos tem roteiro, diálogos e personagens fixos. Não são assim na vida real, nem à beira do divâ.
- Mas o terapeuta não é o extrator, não é a pessoa que vai entrar nos sonhos em busca dos conteúdos reprimidos?
- (Sorriu) Olha que é uma visão interessante. O terapeuta é o ladrão de sonhos.
- Vai ficar zoando?
- Não estou zoando. A idéia é interessante. Eu tinha outra, mas a sua não é ruim.
- E a sua idéia, qual é?
- Quando os extratores entram nos sonhos, são perseguidos, não sâo? Seguranças, bandidos, militares, eles são perseguidos o tempo todo para não chegar a níveis mais profundos do Inconsciente. Essas são as defesas. O terapeuta tem que contornar as defesas, mas também trazê-las à luz. Não dá para matá-las. Você está acompanhando?
- Estou.
- Quem é que cria o cenário e defende todos nesse percurso?
- A menina?
- (Bateu na cadeira) Isso! A menina. Ariadne. Você lembra quem é Ariadne?
- Da mitologia?
- Da mitologia.
- Por favor, refresque a minha memória.
- Ariadne tem o fio que possibilita a Teseu sair do labirinto. Ele pode entrar, matar o Minotauro e sair do labirinto graças ao fio de Ariadne. Ela sabe entrar e sair de lá.
- Mas no filme ela constrói o labirinto.
- Pois é. Ela constrói o labirinto, sabe entrar e sabe sair. Ela cria as armadilhas para pegar as defesas, para driblar as resistências dos pacientes, digo, do inconsciente que estão tentando invadir.
- Ela é a terapeuta?
- Ela é a terapeuta e a terapia.
- Você está dizendo...
- (Interrompendo) Eu estou dizendo que o terapeuta, através da sua escuta e atenção plena, cria o cenário onde o paciente vai colocar as suas memórias, fantasias e sonhos. Essa é a primeira qualidade que um terapeuta deve ter: ser um bom construtor de labirintos.
- E saber sair dele.
- Esse pedaço então...Não é tão fácil.
- Imagino que não.
- Ariadne percebe que o líder, Cobb, tem um problema. Quando ele está chegando perto do que procura, aparece a sua esposa, Mal.
- A que morreu.
- Ela não sabe que Mal morreu. Ela só percebe que Mal representa um problema, uma dificuldade de Cobb. Ela sabe que tudo pode dar errado por conta desse conteúdo não elaborado. No filme ela vai tentar ajudá-lo a resolver isso. É uma grande terapeuta.
Ficou um tempo em silêncio, até soltar uma risada.
- O que foi?
- Você acabou de estragar o meu trabalho.
- Que bom, meu bem.
- Você não gosta dessa história de terapeuta-facilitador, não é?
- O terapeuta é um facilitador, querida. Claro que é. Mas o serviço é bem mais do que isso.
- Vou para meu lap top, consertar o trabalho.
Risos.
- Até amanhã...
Não deu tempo. Já tinha saído.

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