sábado, 14 de abril de 2012

Ciência e Consciência

Estive num evento há três semanas, da Lilly Neuroscience Academy, com algumas apresentações bem legais. Infelizmente, as mais legais foram logo as primeiras, com o resto do evento com o "mais do mesmo" que caracteriza os congressos e simpósios. Vou falar um pouco dessas idéias nos próximos posts.
O Dr Jim van Os, psiquiatra holandês, começou a sua apresentação com alguns slides arrasa quarteirão. Colocou que o nosso Conhecimento é uma mistura de Fatos Científcos com as nossas Crenças. No meio dessas duas instâncias, está a Moda. Pasmem os leitores que a Ciência também tem as suas Fashion Weeks, com idéias que entram e saem da Moda. Já falei sobre isso em outro post. Não existe a tal Objetividade Científica. O cientista enxerga o que está determinado pelo seu sistema de crenças, querendo ou não. Se um cientista fizer um estudo para provar os poderes curadores da oração, vai encontrar resultados positivos. Se desenhar o experimento para comprovar a crença dos céticos, também vai gerar resultados condizentes. Por isso que gosto, na minha prática clínica, de duas atitudes diante do que estou vendo: um é a Epoché da Fenomenologia e outro é o Falsificacionismo de Karl Popper. Calma, que vou explicar esses palavrões.
No início do século vinte, E. Husserl descreveu a Fenomenologia, um primórdio de Filosofia da Ciència. O fenomenologista é o sujeito que tenta descrever e penetrar no fenmeno em profundidade, para atingir a sua essência. A "epoché" da Fenomenologia é a capacidade do observador abandonar tudo em que acredita, deixar em suspenso tudo o que já viu a respeito e simplesmente penetrar no fenômeno que está na sua frente. É uma tentativa de recuperar o olhar mágico da criança, que vê em tudo encantamento e novidade. Jesus dizia que se não recuperarmos a visão das crianças, não vamos entrar no Reino. Esse olhar sem preconceitos permite que o observador perceba o inesperado, o comportamento exatamente diferente de um fenômeno do que era o razoável, a média. Vivemos no império das médias e das medianas, o que desemboca na mediocridade. Devemos olhar tudo como novidade. Tem um jeito de você matar um médico, ou qualquer profissional: é ele pensar que já viu tudo ou, pior, que o mundo cabe em suas crenças.
Lembro de um momento crucial na minha vida, quando, há vinte anos, dividi uma aula com um grande psicanalista junguiano. Ele era e de alguma forma, ainda o é, talvez o nome mais importante dessa linha no Brasil. Nunca me esqueço da decepção e da solidão de assistir a sua aula. Um moleque de vinte e sete anos já conseguia ver a vaidade, a falta de embasamento e os ataques bobocas que ele fez à Psiquiatria Biológica (eu conseguia e consigo fazer ataques bem melhores). Naquele dia eu percebi que, dali para frente, estava por minha conta, pelo menos no especto teórico, mas essa é outra história. Das várias cagadas que o Grande Junguiano proferiu, uma delas foi atacar o filósofo Karl Popper como grande expoente da filosofia e materialismo científico. Ele nunca leu o sujeito, mas precisava de um inimigo. Popper formulou o Falsificacionismo, que, a grosso modo, descreve que um fato científico é verdadeiro apenas enquanto outro fato não vem contrariá-lo. Um exemplo clássico é o aforisma: "Todos os cisnes são brancos" é uma verdade científica até alguém aparecer com um cisne negro. O cientista deve testar e duvidar de tudo o que acredita, sempre. Acho que era esse o espírito da apresentação do colega holandês: duvide sempre, de tudo. Quem se agarra a um conjunto de verdades absolutas vira uma caricatura de si mesmo. Nossos diagnósticos, crenças, estratégias são válidas apenas e tão somente enquanto não aparecer algo melhor e mais abrangente para entendermos o que estamos vendo. É um pouco angustiante, mas, se a gente souber fazer, é bem divertido. O Grande Junguiano poderia se beneficiar da filosofia de Popper, já que propunha várias teorias e visões provenientes de seu próprio umbigo. Mas aqui entre nós, não tenho mais nenhuma mágoa do Grande Junguiano. Ele é bom terapeuta e, sobretudo, um apaixonado pela sua prática. Um abraço para ele.
Esse post pode resumido, então: olhe tudo com olhos de principiante e, sobretudo, duvide sempre de tudo o que você acredita. Fé, para mim, é isso.

2 comentários:

  1. Esse é o começo, meio e fim: suas palavras :
    "então: olhe tudo com olhos de principiante e, sobretudo, duvide sempre de tudo o que você acredita. Fé, para mim, é isso."

    Respondeu onde sempre chego: a Minha Fé é sempre duvidar, porque por mais que eu queira enquadrar, provar, acreditar em algo , algo me escapa, fica velado e não fecha !!! O Sentido não tem de ter sentido, ele é só mais um meio.

    A vida é como um tabuleiro de xadrez, somos os peões de Deus, somos uma peça no jogo com inúmeras possibilidades e a cada possibilidade experienciada, novos cenários são possíveis, o fim na realidade não passa de um meio para outro devir.

    Sempre tem algo melhor,o essencial não é visível aos olhos e a Alma sabe disso, no meio da descontrução está o novo começo.

    Bom Final de Semana Marco Antonio.
    Bjs

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  2. Olá Spinelli,

    É muito interessante o seu texto. Você deveria discutir mais este assunto.
    Ao longo dos anos, vemos que tantas coisas que aprendemos como verdades na medicina, são agora ultrapassadas.
    Faço pesquisa e estou em um meio onde se faz pesquisa. Entretanto, percebemos que falta muita vezes (e eu me incluo) este olhar da fenomenologia. Acredito que nós pesquisadores e nossos alunos deveriam ter um pouco de ensino de lógica e filosofia da ciência.
    Outro ponto interessante também é a comparação dos pesquisadores em volta de uma teoria como em volta de um elefante: um vê apenas a perna, o outro vê rabo, outro a orelha. Cada um tem uma conclusão diferente da mesma coisa (o elefante).
    Obrigada por trazer este questionamento!
    Bjos,
    Lúcia Andrade

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