domingo, 29 de abril de 2012

Maridos e Transtornos de Humor

Recebi nessa semana mais alguns encaminhamentos domésticos para tratamento. Um que está ficando cada vez mais frequente é de maridos ameaçados de abandono se não passarem pelo psiquiatra. Nessas consultas ouço a famosa e recorrente frase: “Nunca pensei que um dia viria parar aqui”. Levando em conta que há poucos séculos as pessoas eram queimadas em fogueiras ou encerradas em masmorras por apresentarem sintomas neurológicos ou psiquiátricos, não é de se estranhar o preconceito e a sensação de derrota ao se “precisar” de ajuda de um profissional de saúde mental. Sobretudo se o paciente for do sexo masculino. Homens tem um estranho mecanismo evolutivo de não pedirem ajuda. Um homem pode passar horas perdido no trânsito, mas, parar e pedir informações, nem pensar. Pode ser atacado por um predador a qualquer momento. Mas como o instinto de não pedir ajuda é sobrepujado pelo medo de ficar sozinho ou as consequências nefastas de uma greve de sexo, então lá vem os maridos com aquela cara de “o que estou fazendo aqui?”Não há semana em que os jornais, mais ou menos sérios, publicam matérias sobre os excessos de medicação e medicalização dos sentimentos humanos. A vovozinha está chorando porque ficou viúva após sessenta anos de casamento? Taca um Prozac nela, ora. Estudos e mais estudos dedicados a desmascarar a máfia psiquiátrica, esses mauricinhos engravatados distribuindo remédios desnecessários e cheios de efeitos colaterais. Aliás, uma forma de manifestação de hostilidades inconscientes contra o psiquiatra é trazer essas matérias impressas para serem discutidas na sessão. Metade da minha Tese de Mestrado foi sobre a Filosofia da Ciência da Psiquiatria, ou, em termos menos acadêmicos, que P... mesmo estamos fazendo? Portanto, esse debate me é muito agradável, sempre com aquela picuinha inconsciente com o papai, representado pelo psiquiatra-que-fica-me-medicando (vou sentir muita, muita falta do hífen na minha vida) e aonde-ele-quer-chegar? Não, não é agradável chegar à consulta e sair com uma prescrição. Muitos pagam a consulta, jogam a receita no lixo e saem pela vida com um monstro debaixo do travesseiro: os quadros subclínicos.Os quadros subclínicos são um debate surdo nas últimas décadas no establishment psiquiátrico. Um exemplo? Uma pessoa cronicamente mau humorada, é uma chata ou tem um Transtorno de Humor? E a Fadiga Crônica? Uma paciente que tem um humor deprimido constante, depois de ter se aposentado, a família se despedaçado e as limitações ortopédicas tirado a sua capacidade de movimentação, ela vai se animar com uns remedinhos?O fato é que um parâmetro seguro de que as alterações de humor estão demais é a rebelião das esposas. Elas podem descer do carro se o marido não pedir informação ou elas podem descer do casamento se o marido estiver chato demais. O cara chega no consultório com aquela expressão de “qual é a desse cara?” e saem com uma medicação em baixa dose. De quebra, ganham uma explicação sobre os estressores e os mecanismos que levam à exaustão uma parte valiosa de seu Cérebro, que é o Cérebro Emocional (termo utilizado para fins didáticos). Os que não jogam a prescrição fora e experimentam o tratamento por algumas semanas conseguem constatar uma melhora de disposição e de paciência. O cachorrinho de estimação não foge mais quando ele entra na sala. Ele consegue dar bom dia aos seus funcionários ou colegas antes de reclamar de alguma coisa. Ele passa a esperar pela velhinha atravessando a faixa de pedestres em uma eternidade. Ele dá até passagem para o motoboy sem medo de tomar um chute no retrovisor. No retorno, observa que está muito melhor, provavelmente por ter eliminado a lactose da dieta. E pergunta quando seu tratamento vai acabar.

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