domingo, 1 de abril de 2012

Os Três Princípios

Como as pessoas podem notar nesse blog, eu tenho lá meus heróis, meus amigos nessa trajetória meio solitária de pensamento. Um deles é o mitólogo Joseph (“Joe”) Campbell, que ficou mais conhecido do público após a realização do “Poder do Mito”, uma série de entrevistas nos estúdios de George Lucas sobre a obra colossal desse homem. Tem uma história engraçada da vida dele, que não deixava de dar a cara a tapa sempre que chamado para uma entrevista. Pois foi falar sobre Mitologia em um programa de rádio, com um desses locutores meio burros e fundamentalistas que não entendem nada do assunto mas querem saber mais do que o entrevistado. O sujeito perguntou a ele o que era Mitologia, Campbell respondeu que era um corpo de histórias ancestrais que refletiam a nossa vida como metáforas. O cara interrompeu e falou que não eram metáforas, eram histórias mentirosas. O resto da entrevista foi o boçal falando que eram mentiras, Campbell respondendo que eram metáforas. Deixa eu colocar a minha mão nessa cumbuca: O Nascimento de Jesus de uma Virgem é uma mentira ou uma metáfora?
Durante muito tempo eu tentei e ainda tento entender o que provoca a doença e determinados comportamentos das pessoas. Campbell me ajudou muito descrevendo a trindade hindú: Brahma, Vishnu, Shiva. Brahma é o deus de toda criação. Tudo sai dele. Brahma representa a infinita possibilidade, a somatória de potenciais que existem em todos os átomos do Universo. Quando falamos de um Deus Onipotente, é disso que estamos falando. A Física Moderna chamaria Brahma de Vácuo Quântico, o (não) lugar das possibilidades infinitas.
Vishnu me interessa particularmente. Vishnu é o deus da consolidação. Ele retira de Brahma a criação e a transforma em coisa feita, estabelecida. Gosto dele. É o deus do Real. Tanta gente vive no reino de Brahma, contando sempre com as possibilidades infinitas, enquanto que Vishnu nos aponta a realidade construída com um tijolo encima do outro, todo dia. Mas Vishnu é chato. Detesta ser ignorado. Se você tem o hábito de ignorar as evidências, passar por cima da realidade e inventar um mundo só seu, com certeza vai arrumar encrenca com Vishnu. Mas na hora do castigo, não será ele que vai trazê-lo, mas seu irmão, Shiva. Shiva é o cara que vem arrebentar com tudo, quando os ciclos terminam, os pecados se acumulam, o equilíbrio precisa ser reestabelecido. Por isso que, em nossa Mitologia Cristã, Shiva é confundido com o Maligno. Parece que vem para punir, castigar, dividir. Não. Esse aí é o ser humano e sua infinita estupidez. Shiva vem restabelecer o equilíbrio e encerrar os ciclos.
Sempre tentei entender as psicopatologias a partir de uma estrutura tripartite, muito baseada em Lacan: Estrutura Psicótica, Perversa e Neurótica. Isso sempre me ajudou muito. A estrutura psicótica é como uma psique dominada por Brahma: tudo é produzido incessantemente, os bons e os maus conteúdos, sem a força de Vishnu. O Ego, sem esse princípio organizador, não consegue se constituir. Vai sendo engolido pelas imagens sem conseguir organizá-las. Nas estruturas Perversas, temos mais uma vez problemas com Vishnu: o Ego quer ter acesso ao gozo e ao Poder de Brahma sem fazer esforço. Os dependentes químicos tentam essa operação: o gozo absoluto, induzido pela droga, sem a necessidade de operar no Real, sem necessidade de esforço nenhum. Frequentemente, são assolados por Shiva, que vem arrebentando com tudo. Lembro das Torres Gêmeas desabando há uma década, aquele era um aviso de Shiva para uma sociedade que esqueceu de considerar o Real. Finalmente, temos a estrutura neurótica, a nossa. Os neuróticos tem várias questões, mas sempre tentam domar Shiva. Planejamos, fazemos seguro, antecipamos o futuro para evitar, valha-me Deus, os ataques de Shiva. Os neuróticos são fissurados por Vishnu: preocupam-se com o dia de amanhã, com os erros do passado, com as coisas seguras e protegidas. Dificilmente aproveitam da criatividade infinita de Brahma e dos sacrifícios necessários exigidos por Shiva.
O Pai, o Filho e o Espírito Santo também falam desses princípios. Mas é melhor parar por aqui, senão vamos cutucar em calos arquetípicos do Mito Cristão.

4 comentários:

  1. Dr. Marco. Às vezes perdemos a "fé", e depois fica difícil encontrar em que acreditar. Talvez porque olhemos para Brahma que é intocável.
    Acho que Lacan é mesmo um autor da psicopatologia.
    A tríate divina nos traz Vishnu que pode recuperar a fé.
    Seu texto traz esperança, traz o divino para perto da vida. Especialmente, essa parte:

    Vishnu é o deus da consolidação. Ele retira de Brahma a criação e a transforma em coisa feita, estabelecida. Gosto dele. É o deus do Real. Tanta gente vive no reino de Brahma, contando sempre com as possibilidades infinitas, enquanto que Vishnu nos aponta a realidade construída com um tijolo encima do outro, todo dia. Mas Vishnu é chato. Detesta ser ignorado. Se você tem o hábito de ignorar as evidências, passar por cima da realidade e inventar um mundo só seu, com certeza vai arrumar encrenca com Vishnu...

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    1. Obrigado por seu comentário. O artigo não fala em fé em nenhum momento. É muito interessante a sua leitura. Talvez a maior fé seja acreditar no Real.

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  2. Obaa!! Adorei. Muito interessante e esclarecedor, sob o ponto de vista de eu já ter lido algo sobre Brahma, Vishnu e Shiva e na complexa leitura, ter encontrado dificuldades para entender verdadeiramente, Vishnu.
    Agora entendi.
    E os tres fazem um ciclo.
    Desculpe Dr., mas vou relacionar com o Mito Cristão, muito respeitosamente.
    Deus, o Brahma, o grande Senhor das possibilidades. Jesus, Vishnu, que veio nos ensinar a conviver, amar , respeitar, diariamente, constantemente, o exercício , a prática. E o Espirito Santo, Shiva, que está por toda parte para conferir a obra diária , o fogo transformador.
    E a vida segue dentro desses princípios, cíclica e conjuntamente.
    Shiva, que apresenta sua fúria ou seus leves avisos, chamuscadas de fogo, de estarmos saindo do propósito, da realidade e com isso nos remete a Vishnu, para elaborarmos melhor nosso presente e futuro , contando com as possibilidades de Brhama...e o ciclo se forma.
    Criamos em Brahma, realizamos em Vishnu e Shiva confere a obra.
    Obrigada,
    curti mesmo!!
    Abraços,
    Sonia

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    1. Jung dedicou muita reflexão à mudança de nossa Mitologia, da trindade para o Quatérnio. O quarto elemento é o feminino. Ele deu gde importância ao dogma da Ascensão de Maria, pelo o que ele representou do Três virando o Quatro. Mas isso é assunto para outro post...Obrigado pelo comentário e abç.

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