domingo, 17 de abril de 2011

Civilização Inflamatória II

No Congresso Brasileiro de Psiquiatria no ano passado eu assisti uma palestra bacana (adoro garimpar exposições legais em meio a um mundo de mesmice e de jabás de laboratórios que são a base de um congresso médico). O gaúcho bravo dizia que os medicamentos psiquiátricos tinham virado uma commoditie. Diagnósticos, tratamentos, estratégias terapêuticas, tudo regido pelo discurso e a lógica do mercado. Auch! Essa doeu.
Fui a um jantar em consideração a um amigo, era um evento do laboratório, eles fizeram os médicos assistirem aula até às 22:00 hs para poderem ir comer o churrasco. No meio da primeira aula eu saí, atravessei a rua e comi boas porções de camarão e chopp pagos com meu dinheiro ganho honestamente. A classe médica perdeu muito nas últimas décadas, a consulta virou um bem de consumo de baixo valor, já que o que interessa é ter acesso aos exames e às prescrições. Pelo menos podemos exigir que respeitem a nossa inteligência. Teve um congresso no sul que no meu crachá não estava nem escrito Médico, mas Prescritor. É assim que somos enxergados, como os donos das canetas e dos carimbos. Um Prescritor.
Apesar dos bilhões de dólares gastos com exames, pesquisas e procedimentos, as pessoas não estão mais saudáveis. Lembro de uma música de Renato Russo, que dizia que "Há tempos são os jovens que adoecem". Ontem foi enterrada uma filha de Roberto Carlos, o rei, fulminada por um infarto sem ter chegado perto dos cinquenta anos.
O Infarto do Miocárdio tem um componente inflamatório. Diversos tipos de Câncer também derivam da atividade inflamatória. Outro dia estava conversando com uma cliente que estava terminando o curso de Nutrição, procurando material para o seu TCC, como ela é portadora de Lúpus Eritematoso (doença autoimune, portanto, inflamatória), queria pesquisar sobre estratégias de lidar com a doença pela Nutrição. A sua orientadora não tinha nenhuma pista para lhe dar. Como não, cara pálida? Falei para ela do aumento vertiginoso das doenças inflamatórias da metade do século vinte para cá. O que mudou de forma tão importante de lá para cá que os remédios, procedimentos e protocolos médicos viraram um commoditie, mas há tempos são os jovens que adoecem? Antes de mais nada, talvez o maior triunfo da Medicina Ocidental, que foi o advento dos antibióticos e o controle das epidemias e endemias, pela ação preventiva, medidas de higiene e saneamento básico. A fome também foi sendo combatida. A população foi crescendo exponencialmente com essas medidas, gerando a necessidade de aumentar a produção de comida. A comida passou a ser cultivada com adubos não orgânicos, os animais criados sem espaço e pasto. Houve um aumento relativo da gordura Ômega 6 em nossa dieta em detrimento das gorduras essenciais Ômega 3. As quantidades de açúcar e farinha também forma crescendo progressivamente em nossa alimentação. Recentemente li um trabalho em que documentava que os bebês de mães jovens, viciadas em fast food e bolachas já nascem com um organismo propenso à obesidade, como se viesse ao mundo falando: "Vamos acumular que está faltando comida". É só olhar na rua e ver que a tendência epidêmica da obesidade já chegou por aqui. É óbvio que isso afeta a evolução de várias doenças, o Lúpus Eritematoso incluído. Quando acabei de falar a minha cliente me olhou com cara de "como estou ouvindo uma aula dessas no consultório de um psiquiatra?". Pois é. Podemos lançar mão de diversas fontes de conhecimento para ajudar os pacientes. Continuamos médicos, não apenas prescritores.

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